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sexta-feira, junho 30, 2006

Os Três Mal-Amados


(João Cabral de Melo Neto)


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

quarta-feira, junho 28, 2006

Fenomenal


Desde que a Copa do Mundo começou a imprensa pega no pé do Ronaldo, ex-Ronaldinho, aquele que dizem ser o Fenômeno. Massacrado pelas críticas, fora de forma – e não poderia ser diferente por causa da contusão que o deixou mais de um mês parado – sem a mesma agilidade em campo, o jogador foi cobrado ao extremo. Para a maioria das pessoas ele estava, literalmente, caindo aos pedaços. Mas nada disso justificava o desrespeito da imprensa e da torcida.

Ronaldo, que brilhou na Copa de 2002 depois de inúmeros problemas no joelho, tem currículo vencedor. Só pelo que já fez pela seleção não merecia ser vaiado, como aconteceu no jogo de estréia do Brasil nesta Copa. Mas é claro que, bastou um gol na segunda partida da fase de classificação, para a imprensa se acalmar. E a partir daí veio uma sucessão de gols, importantes e decisivos, que fizeram todo mundo calar a boca. Esse é o Ronaldo: gordo ou não, um vencedor, um cara que está sempre no lugar certo, na hora certa.

Assim como na Copa de 2002, quero muito ver o Brasil ser campeão só por causa dele. O Ronaldo merece, e principalmente, a imprensa e a torcida merecem levar este tapa com luva de pelica. Ver o Brasil hexacampeão com gols decisivos dele é a melhor forma de retribuir a falta de respeito que se instalou a sua volta. Curiosamente, nosso outro Ronaldo, o Ronaldinho Gaúcho, melhor jogador do mundo, não jogou nada até agora, mas não tem o mesmo tipo de tratamento que Ronaldo Nazário recebeu quando não correspondia nas partidas.

Ronaldo não tem a classe de Zinedine Zidane, a malícia de Romário ou o oportunismo do Klose, por exemplo. Mas ele sempre fez a diferença, sempre lutou até o fim, tem talento, é matador. Ele é o cara. E sorte da seleção brasileira que tem o Ronaldo. Em forma ou não, ele ainda é o nosso grande artilheiro. Ainda que a imprensa e a torcida insistam em diminuir sua importância.


Janaina Pereira

terça-feira, junho 27, 2006

Falem por mim


“A minha vida não é de domínio público. Os meus pensamentos são. Mas só às vezes.” (André Takeda)


“Não é que eu seja brilhante. Apenas fico com os meus problemas mais tempo.” (Albert Einstein)


“Há corpos de agora em almas de outrora. Corpo é vestido. Alma é pessoa.” (Eça de Queiroz)


"Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre inteira." (Cecília Meirelles)


“À minha volta reprovava-se a mentira, mas fugia-se cuidadosamente da verdade.” (Simone de Beauvoir)

segunda-feira, junho 26, 2006

Pílulas


Grande jogo entre Portugal e Holanda. Os portugueses jogaram com raça e o Felipão quase entrou em campo. E apesar da pancadaria, Portugal sobreviveu.


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Robinho, o Denílson da vez, não vai jogar amanhã. Esse é o assunto da imprensa no momento, o que me faz ter certeza absoluta de que o jornalismo espostivo no Brasil é mesmo uma droga.


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E o Ronaldo? Vai bem, obrigado. Depois que fez dois gols, a torcida agora diz que ele está fofo, e não mais gordo. E a imprensa esqueceu dele por alguns instantes. Sinceramente, tem que ter muita paciência para aturar aquele bando de jornalistas fazendo sempre as mesmas perguntas sem fundamento... porque se todo mundo entendesse de futebol, aí sim seria outra história.

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Deus até pode ser brasileiro. Mas fala com um sotaque italiano, hein? Só o juiz viu aquele pênalti... enfim... Itália nas quartas-de-final. E sim, o Totti é realmente um gato.

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A mentira tem pernas curtas. E a verdade, mais cedo ou mais tarde, aparece. Pode ser sofrida, dolorosa, angustiante. Mas ela sempre prevalece.



Janaina Pereira

quinta-feira, junho 22, 2006

Oh eu! Oh vida!


(Walt Whitman)


Oh eu! Oh vida! das perguntas que sobre isso se voltam,
Das infindáveis gerações de infiéis, das cidades cheias de tolos,
Eu mesmo eternamente envergonhado de mim mesmo, (pois quem mais tolo do que eu e mais infiel?)
De olhos que inutilmente desejam a luz, de objetos insignificantes, da luta sempre renovada,
Dos pobres resultados de tudo, da multidão laboriosa e sórdida que sinto à minha volta,
Anos vazios e invisíveis para os que restam, com o que resta de mim entrelaçados,
A pergunta, oh eu! tão triste, ainda insiste - O que vale a pena por tudo isso,
Oh, eu, oh, vida?

Resposta

Que você está aqui - que a vida e a identidade existem,
Que o poderoso jogo continua, e você pode contribuir com um verso.

segunda-feira, junho 19, 2006

Natural Blues

Moby


Oh, lordy, troubles so hard
oh, lordy, troubles so hard
don't nobody know my troubles but god
don't nobody know my troubles but god

went down the hill, the other day
my soul got happy and stayed all day
went down the hill, the other day
my soul got happy and stayed all day

oh, lordy, troubles so hard
oh, lordy, troubles so hard
don't nobody know my troubles but god
don't nobody know my troubles but god

went in the room, didn't stay long
looked on the bed and brother was dead
went in the room, didn't stay long
looked on the bed and brother was dead

sábado, junho 17, 2006

Na nossa casa

(Herbert Vianna)


Quando anoiteceu
Nenhuma luz na nossa casa se acendeu
Aonde você estava?
Aonde estava eu?

Se tudo parecia nada,
ainda assim
O nada era mais
do que o que
você deixou
No fim

Quando aconteceu
Quando algo em que a gente acreditava
Se perdeu
Por onde você andava?
Por que não me socorreu?

Não é o fim do mundo
é só o fim de tudo
que fomos nós
Sem flutuar e sem
tocar o fundo
Sempre sós

quinta-feira, junho 15, 2006

Caleidoscópio

(Herbert Vianna)


Não é preciso apagar a luz
Eu fecho os olhos e tudo vem
Num caleidoscópio sem lógica

Eu quase posso ouvir a tua voz
Eu sinto a tua mão a me guiar
Pela noite a caminho de casa

Quem vai pagar as contas deste amor pagão
Te dar a mão, me trazer à tona pra
respirar
Quem vai chamar meu nome
Ou te escutar

Me pedindo prá apagar a luz
Amanheceu, é hora de dormir
Nesse nosso relógio sem órbita

Se tudo tem que terminar assim
Que pelo menos seja até o fim
Pra gente não ter nunca mais que terminar

segunda-feira, junho 12, 2006

Olá, estranho


“Olá, estranho” é a primeira frase dita por Alice (Natalie Portman) no filme “Closer – Perto Demais”, do Mike Nichols. Frase perfeita, que define toda história: somos todos estranhos quando o assunto é relacionamento. Sempre gostei muito desse filme, um dos melhores que já vi. Adaptado de peça teatral, tem diálogos fortes e inesquecíveis. E no meio de toda aquela história em que ninguém sabe quem ama quem, sempre me identifiquei com a Alice. Agora, mais do que antes.

Para quem ainda não viu o filme, talvez esse texto não faça sentido. Quem viu, vai entender melhor. A história? Complexa, como as relações humanas. Quatro pessoas jovens e belas têm suas vidas entrelaçadas numa rede de amor, traição, mentiras e dores. Dan, o personagem de Jude Law, é o típico jovem bonitão que não sabe o quer da vida, muito menos quem ele quer na vida. Anna, papel de Julia Roberts, é a fotógrafa bem-sucedida que não sabe muito bem o que fazer quando ama. Se é que ela sabe, de verdade, o que é o amor. Larry, o médico vivido por Clive Owen, é o típico homem manipulador de sentimentos e situações. E Alice, a stripper de Natalie Portman, é a jovem sonhadora que tenta se reinventar em outro país, acredita no amor e ama com toda intensidade que seu coração permite. Qual deles é você?

Revendo “Closer”, percebi que os diálogos marcantes do filme – que são vários – reforçam que amor e dor, embora não devessem andar lado a lado, andam juntos cada vez mais. E para citar Alice, quase meu alterego, eu também nunca deixei alguém que ainda amava. Mas, talvez, as pessoas deixem alguém que ainda gostem por um único motivo: egoísmo, como define Dan.

Exatamente como Alice diz para Dan, depois de todas as burradas que ele cometeu ao longo do filme, eu teria te amado para sempre. Acho que depois de dizer isso – e de ouvir também – nada mais precisa ser dito.

Eu teria te amado para sempre.

Adeus, estranho.



Janaina Pereira

domingo, junho 11, 2006

Pra frente, Brasil


Lá vou eu para a minha sétima Copa do Mundo. Deveria ser a oitava, mas a de 1978, na Argentina, que o Brasil ficou em terceiro lugar, eu não me lembro. Lembro da seleção a partir de 1982, na Copa da Espanha; aquela derrota catastrófica para a Itália marcou uma geração. Lembro das ruas vazias, as pessoas tristes, um sofrimento coletivo: o Brasil era favorito absoluto e voltou para casa de mãos abanando. Minha infância foi marcada por aquela derrota, pela certeza de que éramos os melhores, mas isso não nos levaria a lugar nenhum. Tristeza para a geração de Zico, Falcão, Sócrates, Cerezo e Junior, que em 1986, no México, novamente foi eliminado nas quartas-de-final, dessa vez pela França. E ainda tivemos que suportar a Argentina campeão.

A Copa de 1990 foi a segunda mais marcante para mim. Eu era adolescente, colecionava álbum de figurinhas das seleções, achava o time italiano lindo e via todos os jogos. Era a Copa da Itália, fomos eliminados nas oitavas de final pela Argentina, a era Dunga virou referência de fracasso e a Alemanha de Klinsmann e Mathaus foi campeã. Em 1994 eu já era adulta, buscava meu primeiro trabalho, achava a Copa do Mundo a maior alienação da face da Terra e, mesmo sem saber, era a maior apocalíptica do planeta. Estava doente e só assisti a final: Brasil tetracampeão após 24 anos esperando um título. Os EUA foram palco para a geração de Romário e Bebeto se consagrar.

Em 1998, eu trabalhava e adorava sair cedo para ver os jogos em casa. Amigos reunidos, festa, ruas coloridas e a certeza do penta. E na Copa da França o inexplicável ganhou forma: perdemos na final de forma avassaladora para os donos da casa. O mundo estendeu tapete vermelho para um novo ídolo, um craque francês, descedente de argelinos, com habilidade e elegância poucas vezes vistas em campo. E o melhor jogador do mundo até então sumiu diante de um certo Zinedine Yazid Zidane. Pois é. A seleção mais multicultural de todos os tempos ganhou a Copa e o futebol ganhou novo maestro. Zidane era o Rei, Ronaldinho foi enterrado vivo. E a Nike? Nunca soubemos direito em que lugar ela parou nessa história. Só sei que na guerra das marcas, deu Adidas.

Na Copa do Japão/Coréia, em 2002, eu já vivia em São Paulo. Sem televisão, assisti alguns jogos no trabalho, ouvia pelo rádio, via na casa dos outros. A final, num apartamento vazio com a TV emprestada da Juliana, que dividia apartamento comigo, no meio da sala... e a gente gritando. Ronaldo, apontado pela imprensa como ‘bichado’, foi o dono dos jogos, foi o cara que fez a diferença. Chorei por ele e por mim; chorei porque o Rei ferido não pode ser enterrado vivo.

E agora chegamos a Alemanha, que tem a seleção tricampeã que deseja se vingar do Brasil pela derrota na última Copa. Lá vai o Brasil buscando o hexacampeoanto. Um sonho possível, do ponto de vista futebolístico. Mas pouco provável, do ponto de vista midiático. Já pensou que sem graça a gente sair por aí ganhando tudo? Onde será que vamos parar? Ou melhor: quem será que vai nos parar? O país, alienado, não funciona neste mês de Copa. Só se fala, pensa e escreve sobre futebol. É a Pátria de chuteiras. Furadas, já que a maioria se individou para ter uma televisão 29 polegadas tela plana para ver melhor as jogadas de Ronaldinho Gaúcho, o molejo de Robinho, a astúcia de Ronaldo, a força de Adriano e a graça do Kaká – tem que ter um bonitinho para salvar a ala feminina do tédio, não? Se bem que eu sempre preferi o Raí!

Em seis Copas do Mundo que vivi, vi o Brasil ser campeão em duas. Confesso que já me acostumei com a vitória no futebol, e não saberei digerir se perdemos o hexa. É esperar para ver o que vem por aí: salve a Seleção!


Janaina Pereira

sexta-feira, junho 09, 2006

Samba do grande amor

(Chico Buarque)


Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor
Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador

Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão pro grande amor
Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel o grande amor
Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua-de-mel em Salvador

Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé no grande amor
Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

quarta-feira, junho 07, 2006

Nada ficou no lugar


Relendo textos antigos do blog, achei em dezembro de 2005 “Eu vou publicar suas mentiras”, em que questiono que não existem crimes perfeitos, porque eles sempre deixam suspeitos. Incrível como as situações se repetem... e as pessoas cometem as mesmas bobagens.

Existe uma enorme diferença entre mentir, omitir e distorcer. A verdade, nua e crua, nem sempre aparece. Aliás, a verdade é ilusão: ela sempre vai ser apresentada em versões. Algumas pessoas mentem deliberadamente, tornando a verdade uma gigantesca mentira. Mas a mentira tem pernas curtas, já dizia a minha avó. Mais cedo ou mais tarde a mentira é descoberta – sempre mais tarde, quando vidas já foram destruídas por causa dela.

A verdade pode ter alguns lados omitidos. Neste caso, as pessoas escondem alguma sujeira embaixo do tapete e acham que assim, não estão mentindo. Grande engano. Não mentiram, mas omitiram, e a verdade deixou de ser inteira, e passou a ter uma nova versão de um mesmo fato.

Distorcer é outro caso. As palavras ganham contornos inesperados, as situações não são esclarecidas e as pessoas vivem num telefone sem fio aumentando a história. No final, ninguém lembra o começo. Já foi tudo tão distorcido que ninguém quer saber quem falou o que, o que importa é que a verdade se perdeu no meio do caminho.

Outro dia, uma amiga estava me contando que sofreu uma injustiça no trabalho. Foi repreendida pelo chefe, que ouviu um comentário a respeito dela e nem quis saber se era verdade ou não: simplesmente a puniu. Abalada, ela queria saber minha opinião. Respondi que as palavras ganham dimensão absurda, especialmente quando são interpretadas de maneira errada. Mas que, o pior de tudo, é quando as pessoas não sabem, e nem tentam saber, em que circunstâncias as palavras foram ditas. Minha amiga resolveu ficar calada e aceitou a punição. Curiosamente, dias depois, a pessoa que falou mal dela – e que foi prontamente ouvida pelo chefe – foi envolvida num escândalo de corrupção no trabalho. A justiça foi feita.

A vida é assim: cheia de mentiras, omissões e distorções. Crimes perfeitos cheios de suspeitos. Não adianta publicar segredos, eles nem valem tanto assim. Por isso é sempre bom reler os textos antigos, ouvir as histórias de vida dos outros, buscar novas referências. É assim que percebo que a vida só faz sentido quando eu sei o que estou fazendo com ela. E será que cada pessoa neste mundo sabe o que está fazendo da sua própria vida? Será que sabe que rumo está tomando? Será que entende que pode estar no meio de uma história mentirosa, omitida ou distorcida?

Como dizem os mais velhos, cada um colhe o que planta. Então está na hora de plantar a veracidade dos fatos para colher a verdadeira história.


Janaina Pereira

segunda-feira, junho 05, 2006

O dito e o não dito


Dizem que um bom jornalista deve apurar os fatos. E apuração de fatos não é uma coisa fácil. Correr atrás da informação, tentar ouvir os dois lados de uma mesma história, buscar a veracidade dos acontecimentos. Sempre se pode mudar os fatores, e em muitos casos, a ordem dos fatores altera o produto.

Jornalista não é um cara que sai por aí falando o que quer, escrevendo o que quer, muito menos acusando quem quer. Ultimamente vemos que os jornalistas estão na linha de fogo. Muitas matérias estão sendo questionadas por causa da falta de coerência de suas informações. Publicar algo apenas para escandalizar não é jornalismo. É sensacionalismo.

É preciso se dar conta que o dito pode mudar rumos, destruir vidas, magoar pessoas. E o não dito pode ocultar uma dolorosa verdade, que muitas vezes é necessária ser calada. Mas para se ter certeza do que se fala, ou do que se escreve, ou do que se publica, é importante conhecer os dois lados da história. Isso é uma questão de ética.

Um bom jornalista desconfia até de suas fontes, porque precisa checar se o que elas dizem é coerente. Afinal, as fontes também podem mentir, distorcer e omitir. Lembro sempre da cena de "Todos os homens do presidente" em que uma má interpretação de um código de uma fonte gerou uma enorme confusão para os jornalistas Woodward e Beinstein. Jornalista que não faz verificação pode ser acusado de calúnia e difamação.

Os mocinhos e bandidos existem nos romances e nas novelas. Na vida real existem pessoas com sentimentos e histórias de vida destruídas por conta de falsas notícias. Uma mentira fez a Escola Base fechar e seus donos serem acusados, injustamente, de abuso sexual a menores de idades. Era mentira. A imprensa não apurou os fatos e destruiu a vida de pessoas inocentes. E quando a verdade veio à tona, já era tarde demais.

Bons jornalistas buscam a verdade acima de tudo. Não acreditam em tudo que vêem, muito menos em tudo que ouvem. Bons jornalistas pensam duas vezes antes de publicar uma notícia; apuram e verificam acontecimentos, fontes e fatos. Furo de reportagem mentiroso gera processo. Bons jornalistas devem se preocupar com o dito. Mas devem, principalmente, verificar o não dito.


Janaina Pereira

sábado, junho 03, 2006

Meus Oito Anos


Casimiro de Abreu


Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Como são belos os dias
Do despontar da existência !
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor !

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh ! dias de minha infância !
Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar !

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

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