domingo, dezembro 15, 2024
O que é ser botafoguense?
Visto de fora, algumas pessoas ficaram preocupadas com meus vídeos sobre o Botafogo campeão da Libertadores. Minha mãe, que viu minhas reações aos gols, ficou visivelmente atordoada com minha atitude. Eu não conseguirei explicar o que senti naquele 30 de novembro, mas posso resumir em uma única palavra: alívio.
Muitas pessoas acham que minha emoção está ligada ao meu pai, mas não é só isso. Claro, o Botafogo me lembra ele, e talvez essa seja a única lembrança legal que eu tenha do meu pai. Apesar do Botafogo ser considerado apenas um bairro pela maioria da humanidade, o time me traz lembranças positivas do meu pai - porque entre todas as imperfeições que ele tinha, a de ser botafoguense sempre foi a que consegui conviver muito bem.
Eu detesto que, quando uma pessoa morre, os vivos colocam um pedestal que não se pode mais falar mal do morto. O pai era meu, então eu posso sim falar mal dele. Se, por um lado, ele foi um ótimo pai, e me deixou alguns ensinamentos que uso até hoje, por outro há muita coisa nele que eu não aprecio, e tenho certeza que, se fosse vivo, a gente teria muitos problemas. Meu pai não era 'o meu papai querido, meu paizinho' ou qualquer outra forma de falar que me irrita, porque ele era um ser humano com muitos defeitos, então não, não coloco no pedestal. Simples assim.
Dito isso, eu sou botafoguense sim por causa do meu pai, mas não, as vitórias recentes não me fazem lembrar só dele. Eu me identifico com o Botafogo, justamente por ser um clube falido, humilhado, derrotado e fracassado. Exatamente como eu sou.
Ah, não, não me venham com 'você tem que olhar o lado bom da vida'. Não, eu não tenho. Vou te deixar viver minha vida por um dia para você ver se é legal. São anos engolindo sapos, calada, vendendo o almoço para pagar o jantar, recebendo assédio moral no trabalho (e não só no trabalho), tendo que me contentar com pouco porque é isso que me resta. Quem olha só as redes sociais pode achar que tenho uma vida glamourosa só porque escrevo sobre restaurantes bacanas e entrevisto gente famosa, mas a realidade é cruel. Nunca tive o menor reconhecimento, seja financeiro ou profissional.
Por isso amo ser botafoguense. Um time que vive de uma conquista aqui e outra ali, sempre coisa pequena tipo campeonato carioca... que ganhou um título brasileiro em 1995 cercado de polêmicas. Que se não fosse sua pequena, mas fiel torcida, teria falido nas tantas vezes em que foi rebaixado. Porque tem coisas que só acontecem ao Botafogo - e todas ruins!
Ai veio 2023. Um dos anos mais difíceis para mim, onde me apaguei ao Botafogo como nunca aconteceu antes, porque o time estava ganhando e liderando o Brasileirão com folgas. O final da história, todo mundo já sabe: a maior pipocada do planeta bola. E eu me olhava no espelho e só via a pessoa humilhada como aquele time. Como não torcer para o Botafogo, que sempre decepciona?
Não esperava nada de 2024. Ainda que o ano tenha apresentado alguns momentos bons, era melhor não criar expectativa - na vida e no futebol. Fui me deixando levar pelo Botafogo, sempre com desconfiança. Até ri do 4 x 1 no Flamengo. Mas comecei a ficar bastante preocupada quando o time eliminou o Palmeiras na Libertadores. Será que o Botafogo se tornaria, finalmente, um time vencedor?
Eu só me lembro de me sentir vitoriosa na vida na minha adolescência, quando o Ayrton Senna ganhava. Cada vitória dele significa um triunfo para mim. A morte do Ayrton deixou um vazio gigantesco na minha vida esportiva, momentaneamente preenchido pelo vôlei. Até chegar o Botafogo de 2024.
As coisas foram evoluindo e vieram os tropeços, claro, senão não seria o Botafogo! E a sombra de 2023, com o mundo inteiro contra o time, debochando e ironizando, levantando suspeitas sobre a capacidade dos jogadores... eu, particularmente, não acreditava que o desastre do ano passado ia se repetir. Não achava, de verdade, que Deus seria tão cruel com a gente. E, na minha cabeça, era inadmissível que um time que ganha de 5 a 0 do Penarol vai perder a Libertadores. Podia até perder o Brasileirão, mas a Liberta jamais!
Nos dias que antecederam o 30 de novembro, onde eu chorava copiosamente sempre que via algo do Botafogo, eu tinha não só a esperança, mas a certeza que ia dar certo. Tinha algo mágico no ar. Deu certo, no roteiro mais incrível possível. E, por isso, eu precisava ver aquele time jogar pela última vez, na última rodada do Campeonato Brasileiro. De qualquer jeito.
Quando vi que só tinha ingresso na torcida do São Paulo, titubeei. Mas, ao ler um comentário no Instagram do Botafogo sobre um grupo de whatsapp com torcedores que iam no mesmo setor, criei coragem e comprei o ingresso. De repente, a energia daquelas pessoas se transformou numa cadeia positiva, contagiante, e nada podia dar errado. Como, de fato, não deu.
Como gloriosos que somos, fomos acolhidos pelos seguranças que nos deixaram mudar de setor. Eu fui parar no meio do mosaico da torcida botafoguense, um luxo. Comemorei cada gol, fiquei ansiosa e descarreguei tudo no meu saco de pipocas - porque somos pipoqueiros com louvor! Até que, filmando o final do jogo, veio o gol do título pelo pés do Gregore - o cara que foi expulso aos 40 segundos da final da Liberta. Eu filmei o gol do título!!!!! Tem coisas que só acontecem ao Botafogo - agora, coisas boas também!
Sempre tivemos a glória, mas agora ela é eterna. Conseguimos o título mais improvável - a Liberta - e o mais esperado - o Brasileiro - no mesmo ano. Um feito que só o Santos de Pelé e o Flamengo de JJ conseguiu. Alguns jogadores remanescentes de 2023, e os novos de 2024, todos que entenderam realmente o significado de ser botafoguense, foram premiados com o que há de mais forte no mundo de hoje: a resiliência. A palavra que tanto se fala atualmente, que tanto se espera das pessoas, e que é tão difícil colocar em prática no dia a dia.
Hoje me olhei no espelho e pensei o quanto sou resiliente. Sim, tive algumas vitórias e a vida não é tão ruim, ela só não é o que espero. Porque o tempo de Deus é diferente do nosso. A vida não é justa; tanta gente com talento nunca alcança o que quer. Mas, de repente, ao Botafogo, um time tão menosprezado, foi concedido o direito de uma das maiores e mais belas voltas por cima da história do esporte.
Eu só posso agradecer a Deus por ter me guiado, de forma segura e precisa, para viver esses dias tão incríveis. Agradecer ao Lucas, Jessyca, André, Bruno, Luiz, Nathalia, Maria Eduarda, Isabella, Stella, Thatá, Fernanda, Breno e toda a galera do Infiltrados & Resgatados (que, quando surgiu, era Folgados & Infiltrados!). Saber que o Botafogo movimenta toda essa energia incrível foi uma das melhores descobertas que fiz nessa vida!
Agradeço imensamente por ser botafoguense; das lutas e tristezas; das derrotas e vitórias; do fracasso ao sucesso mais avassalador dos últimos tempos. Somos, de fato e de direto: os escolhidos. Tem uma frase da Bíblia que cabe nesse momento - não sou religiosa, mas tenho fé, e essa frase, para mim, resume perfeitamente o que conquistamos este ano: "Os humilhados serão exaltados".
E, claro, obrigada ao meu pai por ter começado essa história. Porque o Botafogo sempre será a melhor lembrança que tenho dele - e agora, a lembrança mais vitoriosa de toda a minha vida.
(e sim, vou festejar o teu sofrer, o teu penar! Porque ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!!!)