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segunda-feira, outubro 28, 2024

Quando o time se torna parte fundamental da sua vida

Por Janaina Pereira


Nasci botafoguense. Influência do meu pai, Ivo Pereira, torcedor fanático do

time (para ele, Garrincha sempre foi melhor do que Pelé. Para mim também,

claro). Quando eu era criança, adorava usar as camisetas do Bota. Escudos da

Estrela Solitária sempre se multiplicaram em casa. Eu ia ao Maraca com meu

pai, e sempre chorava quando o Fogão fazia gol. Detalhe: a gente só ia ao

clássico Botafogo x Flamengo, e colecionávamos vitórias. No jogo né, porque

campeonato que é bom, nada!

Era começo dos anos 1980. O Flamengo foi campeão do mundo, e um dos

meus primos, flamenguista roxo, só me zoava. Eu ficava envergonhada e

pensava “será que nunca vou ver meu time ganhar?”. Mal sabia que as vitórias

do Botafogo seriam muito mais importantes na minha vida adulta do que os

campeonatos perdidos durante toda a minha infância. Infância, aliás, em que

eu era a ‘menina esquisita que gostava de futebol’. Naquela época, futebol era

coisa (somente) de homem. E eu levei muitos anos para encontrar amigas

boleiras como eu – nem por isso deixei de ser a menina que não queria

aprender balé e sim jogar futebol e vôlei, mas como isso não podia, ficava o

domingo inteiro vendo Show do Esporte, com o Luciano do Valle.

Minha relação com o Botafogo se tornou muito maior quando meu pai morreu.

O ano era 1989, e meu pai tinha comprado a camisa oficial daquele time. Ele

falava o tempo todo que, finalmente, a gente ia ganhar o Campeonato Carioca.

Sr. Ivo faleceu em 7 de março de 1989. Em 21 de junho, o Botafogo ganhava,

após 21 anos, o título carioca. Lembro que vi o jogo no meu quarto e minha

mãe no quarto dela. Na hora do gol do Maurício eu surtei. Quando o jogo

finalmente acabou, eu e mamãe corremos para a sala, nos abraçamos e

choramos muito. Naquele dia sai na rua com a camisa oficial que era do meu

pai. Eu queria muito que ele tivesse vivido aquele momento, mas sei que, de

alguma forma, ele vibrou com o título. Campeão invicto em cima do Flamengo

de Zico e Junior. Sem mais!

A partir dali, ser botafoguense se tornou uma lembrança afetiva do meu pai.

Aquele ano de 1989 mudaria para sempre minha relação com o esporte. É a

maior e melhor lembrança que tenho do Sr. Ivo. As corridas de F-1, os jogos de

vôlei, as lágrimas a cada ouro olímpico, as lágrimas a cada desclassificação do

Brasil na Copa, o Maraca que eu nunca mais voltei para ver um jogo do nosso

time. Cresci, mas esse amor me acompanha até hoje.

Queria ser jornalista esportiva, mas os caminhos me levaram ao jornalismo

cultural. Ainda assim, tive a oportunidade de assistir ao GP de Mônaco de F-1,

uma das maiores emoções da minha vida – foi no histórico GP de Mônaco de

1984, visto pela TV, que eu descobri o automobilismo graças ao meu pai, que

me chamou para ver “o cara que vai ser o melhor piloto do mundo”. Sim, era o

Ayrton Senna. Mônaco se tornou a minha corrida preferida. E no dia que estive


lá, em 2015, dediquei aquele momento ao homem que me ensinou a amar o

esporte. Também fiz uma entrevista marcante, provavelmente a mais badalada

até hoje, com Ronaldo Fenômeno, às vésperas da Copa do Mundo no Brasil,

em 2014. Aí eu virei o orgulho da mamãe (que passou a gostar de esporte

também por influência do meu pai, e mantém até hoje a tradição de termos a

Estrela Solitária nos quatro cantos da casa). Isso sem falar na minha mania de

visitar estádios de futebol mundo afora (até jogo da Champions League eu já

assisti). O amor ao esporte só não é maior do que o amor ao Botafogo, que é

um caso à parte na minha vida.

Estava no Rio de Janeiro esta semana e cogitei ir ao jogo do Fogão contra o

Atlético Nacional, pela Libertadores. Minha mãe mora próximo ao Engenhão

(que eu só conheci ano passado, durante as Olimpíadas, num jogo da seleção

feminina de futebol – porque a vida é irônica, né?). Mas eu precisava voltar a

São Paulo, onde moro, para trabalhar e, confesso, fiquei com receio de ir ao

jogo e o time perder. Olha o drama: desde que meu pai morreu eu nunca mais

vi o Botafogo ao vivo e a cores, e a superstição é tanta que prefiro não ver só

pro time ganhar!

Ontem à noite estava trabalhando e só soube do resultado do jogo nessa

madrugada. Chorei ao saber da classificação antecipada para as Oitavas de

Final da Libertadores, algo bastante improvável para um time que veio da pré-

Libertadores e caiu num grupo super forte. Eu só conseguia pensar como o

Botafogo me representa. É tudo sofrido e dramático, uma mistura de força e

garra, e aquela situação improvável, de repente, acontece.

Eu, que trilho tantos caminhos improváveis; que sempre lutei muito para

conseguir o pouco que tenho, não poderia ter outro time. Não poderia ser

diferente. É simplesmente apaixonante ser botafoguense. Hoje mais do que

nunca estou me sentindo Gloriosa. Deixa eu aproveitar porque não sei até

quando o sonho vai durar – e não me acordem, por favor! Porque tem coisas

que só acontecem ao Botafogo e, ainda bem, coisas boas também acontecem

ao Botafogo! 

Estamos nas oitavas da Libertadores, classificados com uma rodada de

antecedência, vencendo quatro campeões da Liberta, e antes do Flamengo.

Obrigada ao meu pai, por me fazer gostar desse clube, que transformou esse

dia chuvoso num dia verdadeiramente Glorioso.


*texto escrito originalmente em 2017, para o site Dibradoras.


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