quinta-feira, outubro 31, 2024
É tempo de Botafogo
Sou botafoguense desde que nasci. Meu pai, fã de Garrincha,
já comprava as camisetas do Botafogo quando eu era bem pequena. Ia ao Maracanã
com ele, chorava quando o time fazia gols, mas, como o Botafogo já não ganhava quando
nasci, eu tinha vergonha de dizer que era botafoguense. Falava que não gostava
de futebol.
Tudo mudou em 1989. Meu pai comprou a camisa oficial do
Botafogo em janeiro, e disse que naquele ano seríamos campeões. Em 7 de março
meu pai morreu. Em 21 de junho o Botafogo ganhou o campeonato carioca, diante
do Flamengo de Zico, após 21 anos sem títulos. Naquele dia, eu me tornei, de
fato, botafoguense.
Desde então, não lembro de outros títulos. Não tenho ideia
do que rolou no campeonato brasileiro de 1995 – sei da polêmica da final contra
o Santos, mas não lembro do campeonato em si. Lembro um pouco da Libertadores
de 2017. Nunca mais fui ao estádio.
Tudo mudou em 2023. Prestei atenção no time, fui ao Nilton
Santos, torci. E, no final, vivi uma das maiores humilhações da minha vida.
Entendi que ser botafoguense é ser constantemente humilhado, diminuído, maltratado.
É sofrer para vencer. É ter a vitória arrancada das mãos de forma brutal e
dolorida. Ser botafoguense é ser eternamente marcado pelo fracasso.
Não poderia ter outro time. O fiasco de 2023 deixou claro
que torço para o time certo. Lembro de ver a torcida do Fluminense feliz com a
conquista da Libertadores e pensar: ‘Isso nunca vai acontecer com o Botafogo’.
E veio 2024. Não fui ao estádio, quase não vi os jogos. Fui
me surpreendendo com a resiliência do time, com a volta por cima. Escrevo esse
texto sem saber o final da história, que, talvez, seja a perda dos dois títulos
que disputa. Quem sabe? Ou ganha um e perde o outro. Ou ganha os dois????? Acho
que não, hein? Botafoguense raiz é pessimista, é supersticioso e vai até o fim com
medo da vitória.
Vencer... será que o Botafogo vai virar um time vencedor? Já
temos a glória e agora? Será que, finalmente, ela será eterna?
Ser botafoguense é nunca acreditar em final feliz. É estar
preparado para o pior, sempre. É aceitar que, se a vitória vier, será com muito
suor, muita luta, muita força de vontade, muita resignação.
O Botafogo é um time para os fortes. Pensam que a gente é
fraco, mas a torcida é a força desse time. Somos fortes, e quanto mais nos
humilham, mais a gente vai lutar para seguir adiante. Sabemos que a partida
nunca está ganha, e, por isso, quando perdemos, a gente aceita. E recomeça. E acredita.
Ser Botafogo também é ser perdedor. É ser humilhado. É ser
um fracasso na vida e no campo. E, por isso, quando a gente ganha, há aquela sensação
infinita de que chegamos ao topo do mundo.
Ser Botafogo é estar sempre preparado para o pior. É saber
que vão nos derrubar mesmo a gente não sendo uma ameaça. É saber que
incomodamos mesmo não tendo nada para oferecer perigo. É saber que temos um
brilho próprio. A tal da luz da estrela solitária, que incomoda tanto os
outros, mesmo a gente sendo apenas ... o Botafogo.
(texto escrito após o Botafogo se tornar, pela primeira vez em sua história, finalista da Libertadores.)