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sábado, outubro 22, 2016


A morte anunciada


Amo cinema. E foi amor à primeira vista: fui ao cinema pela primeira vez aos quatro anos de idade e desde então estabeleci um amor profundo pela telona. Aos 12 anos, escrevi minha primeira crítica. No entanto, nunca passou pela minha cabeça trabalhar com cinema. Não busquei isso - foi o cinema que me escolheu e eu aproveitei as oportunidades.

O ano era 2008, dezembro, surgiu a chance de trabalhar em uma editora que tinha um site de cinema, onde eu poderia escrever algumas críticas - meu trabalho em si ainda era na área de economia. Eu tinha certeza que seria jornalista econômica, mas o amor pelo cinema falou mais alto.

Foram muitos anos dedicados a isso, mas nunca de forma incondicional. Tive oportunidade de trabalhar exclusivamente com cinema, mas segui outros caminhos. Abracei a gastronomia, e continuei fazendo o que a faculdade de jornalismo dizia ser errado: não me especializei. Ainda assim, todo mundo me associa ao cinema. "Janaina, a crítica de cinema. Janaina, aquela que escreve sobre cinema".

Para começar, odeio quando me chamam de crítica de cinema. Escrever críticas sempre foi a pior parte da história; não gosto e nunca gostei. Acho que minha opinião não é relevante a ponto de definir o que as pessoas devem ou não assistir. Mas, confesso, quando gosto muito de um filme, indico por livre e espontânea vontade, porque quero compartilhar aquela história. Simples assim.

Tentei fazer pós graduação em cinema mas não rolou. Achei chatíssimo. Cobrir festivais de cinema é algo que sempre curti, desde o começo, e foi uma coisa que descobri sozinha. Dei a cara a tapa e fui cobrir festivais dentro e fora do Brasil. Mas, claro, o reconhecimento nunca veio de fato. Quando eu achava que as pessoas me respeitavam um pouquinho, eu percebia que elas, na verdade, apenas queriam se aproveitar da minha boa vontade. Questionei muito a minha postura: será que essa falta de respeito profissional é porque sou legal e dou atenção a qualquer tipo de filme e entrevistado? Será que o fato de não ser arrogante me coloca 'um patamar abaixo' dos demais?

Sim, há arrogância dentro e fora da editoria de cinema, como em qualquer área de trabalho. Mas percebo que tem gente que só faz o que quer nessa área, enquanto eu sou capaz de ver qualquer filme com o mesmo carinho; entrevistar um ator/diretor mais ou menos famoso com a mesma atenção. Essa coisa de 'ser pau para toda obra' acabou me trazendo dissabores, porque nas horas mais importantes fui preterida. E isso me magoou profundamente.

Uma mágoa que não sei se vai passar. Amo o cinema demais, e por isso quero preservar esse amor. Quero continuar vendo filmes porque gosto. E sim, eu adoro fazer entrevistas, mas não nessa vibe 'celebridades' que hoje domina a área de cultura. Gosto de pessoas interessantes, e o cinema está cheio delas. Infelizmente, a maioria das pautas diferenciadas que estão na minha cabeça permanecem lá, porque mais vale um click pela atriz que falou bobagem do que uma matéria por alguém que realmente vale a pena.

Assim como em outras áreas, onde os blogueiros - agora chamados de influenciadores digitais - estão dominando, o cinema perdeu bastante de sua cobertura graças a essa coisa de 'qualquer um pode escrever'. Desculpem, não sou qualquer um. Não sou especialista em filme francês, nem em filme nerd, mas também não sou uma jornalista que chegou ontem e sentou na janela dizendo 'só entrevisto fulano e sicrano'. Eu valorizo meu trabalho, minhas palavras e respeito demais as minhas fontes, sejam elas de cinema, gastronomia, economia, o que for. Respeito, acima de tudo, o leitor, que merece reportagens e entrevistas de qualidade.

Então se a onda é essa, pulo do barco com dor no coração. O cinema nunca pagou minhas contas, e muitas vezes foi humilhante fazer entrevistas com um grau de dificuldade master para ganhar 200 reais. Sim, o povo acha que ganho milhões, mas o mercado jornalístico paga mal - em um nível de humilhação ímpar para quem, como eu, sabe muito bem o que é ser jornalista.

Tenho muito orgulho das matérias que fiz e das pessoas que entrevistei trabalhando com cinema. Mas também tenho muito respeito por mim mesma. Pelo grau absurdo de estresse que tenho vivido, graças a pessoas que não merecem a minha atenção, é chegada a hora de dizer 'não quero mais isso para mim'. E como dói fazer isso.

Não sei exatamente como as coisas ficarão daqui para frente, mas sei que o cinema vai existir na minha vida de alguma forma. Ainda que seja com aquela sensação infantil, quase ingênua, de entrar na sala e olhar para a telona com todo o amor do mundo. Quero preservar isso, e por isso é melhor pular fora antes que o barco afunde. Até porque não sei nadar.

No final das contas, isso nem é tão importante, afinal, nunca gostei de ser chamada de crítica de cinema, assim como não gosto que digam 'Janaina que trabalha com cinema', como se eu só fizesse isso na vida. Sempre me senti diminuída por ser associada a uma área pouco valorizada e considerada fácil. "Escrever sobre cinema é fácil, qualquer um faz", me disse uma vez uma editora.

Então tá, façam vocês. Vão lá escrever e entrevistar, afinal, é tão simples, né? Boa sorte.





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