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quarta-feira, agosto 05, 2015

Ausência


Faz tempo que não escrevo sobre meu pai. Mas tenho pensando muito nele estes dias, talvez por estar fazendo uma matéria sobre o Dia dos Pais. Já são tantos anos sem ele que aprendi a sobreviver a essa data, mas confesso que ainda me incomoda quando coincide com meu aniversário. Este ano, pelo menos, estou livre disso.

Mas fazer matéria sobre o Dia dos Pais acabou mexendo comigo. Ontem me peguei chorando, naquele momento da vida em que você percebe que só ficou a lembrança da pessoa. Eu já não lembro mais a voz dele. E isso é uma coisa que dói, uma dor tão inexplicável que não teria como definir.

Meu pai tinha muitos defeitos. Tantos que eu, depois de adulta, resolvi não ficar lembrando muito para não acabar com os bons sentimentos que eu tinha por ele. Apesar de tudo, ele era um pai legal, carinhoso, e muito mais moderno que a maioria. Ele me falou coisas que poucos pais diriam a uma filha - coisas do tipo 'casamento não é emprego' e 'trabalhe no que você gosta que o dinheiro vem de alguma forma'. Para uma criança de 10 anos, ouvir isso do pai parecia um recado para o futuro. E era.

Porém, o que sempre me lembro foi o dia que perguntei a ele 'por que você sempre quis uma filha?' Afinal, homem geralmente quer filho, e meu pai preferia uma menina. Ele me respondeu: "Para fazer companhia a sua mãe." Eu nunca esqueço disso, porque de alguma forma, era para ser assim, a força da minha vida estaria na minha mãe, e não no meu pai.

Eu sinto saudades, e às vezes quando sonho com ele acordo muito triste. Fico imaginando o que ele pensaria de mim agora. Acho que ele estaria orgulhoso, mas talvez reclamasse porque eu não segui a carreira de jornalista esportiva - foi ele que me fez gostar de esportes.

Meu pai era um homem muito honesto, simples, inteligente, calado e recluso; dificilmente expressava seus sentimentos, mas sabia como poucos conversar sobre tudo. Era muito ético, e sempre quis que eu tivesse tudo que ele não teve. Quando ficou desempregado, não abriu mão de que eu estudasse em colégio particular para ter as opções da vida que ele não pode. Se sacrificava ao máximo para sairmos do aluguel, termos um telefone e era obrigação que eu estudasse em bons colégios. Nunca exigiu nada de mim: eu estudava porque achava que era o mínimo que podia fazer para retribuir todo o esforço que ele fazia para pagar os meus estudos.

Vi a ascensão e queda profissional do meu pai, vi o quanto ele foi humilhado pelo mundo depois que teve um derrame e ficou dois anos sendo internado pelos hospitais do Rio de Janeiro. Vi como o mundo virou as costas para ele, e como ele deixou de ser um profissional espetacular para ser 'uma pessoa que já ficou doente'. Vi também o quanto minha mãe lutou para que nada daquilo interferisse na minha vida. Vi minha mãe pedir as minhas amigas para estarem perto de mim depois que meu pai morreu para que eu não me sentisse sozinha. Vi minha mãe abrir mão de sua vida, ainda muito jovem, para criar a única filha.

Dizem que a gente nasce na nossa família para resolver algumas questões do passado. Talvez com meu pai tenha algo pendente ainda, mas o fato é que tive com ele uma convivência muito mais marcante do que outros filhos. Vejo muitas pessoas em relações distantes e frias com seus pais, e acho isso profundamente triste. Admiro quem se preocupa mesmo com o pai, a mãe, o irmão, a irmã, os avós; quem saiu de casa e vai visitar a família; quem se importa com datas; quem expressa amor aos familiares. Por mais que a vida seja complicada e todo mundo tenha defeitos, é na família a base de tudo. Se a gente não aprende ali, fica difícil aprender depois.

Se eu tivesse que dizer uma coisa hoje para o meu pai, talvez eu agradecesse por nunca ter me criado como a garotinha mimada, e embora ele me chamasse de 'a garota do papai' nunca me tratou assim. Sempre soube equilibrar amor e disciplina, me fazendo entender que o mundo não iria me respeitar se eu fosse uma mulher como as outras. Foi ele quem me fez acreditar, ainda muito cedo, que eu tinha que ser uma mulher que fizesse a diferença.

É difícil todos os dias, é cansativo ser forte, mas ainda assim eu prefiro ser essa mulher que não desiste do que ser mais uma na multidão. E se era esse o objetivo do meu pai, acho que ele conseguiu com louvor.

Meu Dia dos Pais será de ausência, mas na minha vida meu pai sempre, de alguma forma, se faz presente.



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