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segunda-feira, abril 20, 2015

Porque escrever sobre cinema nem sempre é a maior diversão



Uma vez eu ouvi de uma editora que 'escrever sobre cinema é fácil'. Ela, que já tinha sido minha chefe, responsável pela aprovação dos meus textos durante quatro anos em uma revista de economia,  ficou indignada quando eu comecei a trabalhar com cinema. "Você vai cobrir Festival de Cinema e eu aqui trabalhando".

O tempo passou e a sensação de que o que faço não é levado a sério continua. Ouço coisas como 'você é freela, e freela não tem emprego', ou 'não sei o que você faz na vida, você só viaja e escreve sobre cinema'. Confesso que às vezes fico pensando como alguns ex-professores de jornalismo - que viam em mim um futuro brilhante - devem pensar que desperdiço meu talento escrevendo sobre cinema.

O universo de jornalismo cultural é mesmo um caso à parte. Tem muita gente nova, que tem um blog e se acha 'crítico de cinema'. É uma concorrência desleal, porque a maioria escreve de graça. Vi gente se dar bem na vida assim: começou escrevendo de graça e hoje está aí, fazendo críticas para Deus e o mundo. Resta saber se já está recebendo algum salário para isso.

Eu sempre gostei de reportagens e, em especial, entrevistas. Adoro trabalhar com cultura e gastronomia, mas não é só isso que faço da vida. Ainda tenho meu pé no universo econômico - volta e meia faço matérias de negócios - e não tenho medo de escrever sobre assuntos que não domino. Quando cobri a Bienal de Arquitetura de Veneza, passei quatro dias estudando para escrever com um pouco de conhecimento. Jamais cheguei em uma entrevista despreparada (sim, não vou ser modesta, eu sou boa profissional).

Eu gosto de cinema mas não sou expert em todos os gêneros. Mas se tem algo que não sei, procuro saber. Não passo vergonha - como já vi em coletivas, inclusive internacionais, com jornalistas que nem sabem o que estão falando, muito menos com quem estão falando! Hoje em dia temos o St. Google, que nos salva de qualquer enrascada. Custa tirar uns minutos sua cara do Facebook para pesquisar sobre o entrevistado e/ou filme?

Ah, custa! Eu leio cada coisa patética. Não sou a melhor jornalista do mundo, mas pelo menos eu vejo os filmes, procuro saber quem são os diretores e atores (caso não conheça), não saio por aí só dizendo 'gostei / não gostei'. Isso tudo veio a minha cabeça porque eu, que não sou grande fã da Marvel, fiquei horas pesquisando sobre os personagens, para entender melhor o universo do filme Os Vingadores. Ai lembrei da tal editora, que menosprezou meu trabalho com cinema, e ainda disse que 'qualquer um pode fazer isso'.

Eu aqui, tentando entender o que se passa por trás da máscara do Homem de Ferro, enquanto um monte de gente acha que legal é ser jornalista político. Ou então - o outro lado da moeda - tem aquele povo que acha minha vida um glamour só, e que eu fico passeando nos Festivais como se não houvesse amanhã. Lógico que é um trabalho legal, mas vai lá para Cannes disputar com quatro mil jornalistas uma pauta, matar um leão a cada filme, buscar ser diferente naquilo que todo mundo é igual. No meu primeiro Festival de Veneza, depois de uma semana na cidade descobri que só a via no escuro (porque o Festival é no Lido, e eu só passava por Veneza muito cedo ou muito tarde). Eu nunca andei de gôndola, nunca fui aos museus e igrejas, e já estive na cidade cinco vezes. A trabalho. O melhor trabalho do mundo, mas ainda é trabalho.

Então para as pessoas que acham que escrever sobre cinema é desnecessário; que jornalismo de verdade é ir para a guerra, sinto dizer que no meu primeiro dia de aula de jornalismo eu fui a única a dizer que sim, eu cobriria uma guerra (e eu bem que tentei: quando fui a Tel Aviv queria ir para Gaza, mas não deixaram). E eu continuo querendo estar lá, nos grandes acontecimentos, ainda que a guerra seja o pior deles (por motivos óbvios, porque não desejo uma guerra para cobrir; mas se elas existem, então sim, eu quero estar lá). Mas, se a vida me deu a chance de trabalhar com algo lúdico, aquilo que mexe com a imaginação, essa magia chamada cinema, eu só tenho que agradecer o privilégio.

Eu queria entrevistar o Papa ou o Obama, mas tenho que me contentar com a Meryl Streep. Paciência.


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