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sexta-feira, novembro 30, 2012

Princesa


Levei muito tempo para conseguir escrever sobre ela. Quando a Princesa partiu, deixando um buraco imenso em minha casa no Rio, eu senti uma dor estranha, algo que até então não fazia parte de mim. Sempre fui apaixonada pelos animais. Adoro cachorro, principalmente, e convivo com eles desde criança. Minha única cachorrinha, Chispita, morreu envenenada quando eu tinha 12 anos, e desde então eu jurei nunca mais querer cachorro em casa.

Sai da casa da minha mãe em 2001, e em poucos meses fui substituida por aquela cachorrinha de pêlos cor de mel, mistura de poodle com pinsher, mega levada. Princesa chegou em casa para ocupar meu lugar e transformar nossas vidas. Sempre gostei dela, mas confesso que lutei, por muito tempo, para não amá-la. A recordação de infância da Chispita ainda me assombrava. Desisti de fazer veterinária porque não suportaria ver um cachorro morrer em meus braços.

Mas Princesa era especial. Alegre, divertida, brincalhona, companheira, transformava minha visita ao Rio em uma grande festa. Quando eu chegava ela me recebia com tanta alegria que eu precisava falar com ela antes de falar com minha mãe! Ciumenta, não suportava quando me via abraçar minha mãe, queria toda a atenção para ela. A despedida era cruel: ela pulava dentro da minha mala, latia, e ficava dias sem comer quando eu ia embora.

Logo coloquei inúmeros apelidos nela: Princess, Prinprin, Pequena, Mia Principessa, Fofolete, Ferinha ... ela atendia a todos. E ainda tinha os momentos de cantoria, quando eu começava a cantarolar alguma música brega para ela, tipo Eu quero tchu, Eu quero tcha, e Pequena Princess rebolava freneticamente. Um barato! Corríamos pela casa como crianças, passeava com ela na rua, e ficávamos por muito tempo tomando sol no jardim do condomínio. Descolada, Princesa curtia também rolar em sua colcha de oncinha ou em sua toalha de banho cor de rosa. Eu, claro, aproveitava para puxar a colcha ou a toalha pela casa e transformar tudo numa grande bagunça.

O tempo foi passando e Princesa foi envelhecendo. Nunca vi um cachorro ficar doente e com pêlos brancos! Princess mantinha a alegria mesmo com os problemas de saúde. Primeiro o coração, que eu dizia que era um coração grande, mas valente. Depois, a insuficiência renal. Quando foi internada, parecia que estávamos sendo preparados para o pior. No dia que fomos buscá-la ela pulou em mim com tanto medo, era como se implorasse para levà-la para casa. Foram seis meses entre soros, exames de sangue e muitos remédios para mantê-la bem. Eu sei tudo sobre as doenças que ela teve, controlava de perto todos os exames, sabia de cor suas taxas sanguíneas, a dosagem dos remédios... eu falava que era a personal veterinária de Princesa. Acabei me envolvendo muito com seus problemas de saúde e vivia em uma eterna tensão. Viajava a trabalho mas meu coração e meu pensamento estavam sempre alertas. Passei mais tempo no Rio do que em São Paulo para ficar perto dela.

Só eu e Deus sabemos o que nossa família fez por ela. Foram dívidas para comprar remédios caros, mas tínhamos esperança que ela fosse ficar conosco por mais um ou dois anos. Eu acreditava que ela ia ficar bem... então quando Princess partiu eu me senti traída, como se Deus mostrasse quem manda nessa história - eu sei que é Ele, mas por um momento queria que fosse eu.

Sei que foi egoísmo da minha parte querer que ela vivesse mais, tomando oito remédios por dia e fazendo exame de sangue toda semana. Mas eu tinha medo da nossa vida sem ela. Tinha medo do que aconteceria com a minha mãe, que era a pessoa que convivia  diariamente com a Princesa. E tinha medo do que aconteceria comigo, ao entrar em casa e nunca mais vê-la.

Seis meses depois, eu sinto falta dela, sinto uma saudade imensa, e ainda saio pelo mundo procurando os lugares com o nome dela. Ainda fotografo as lojas e restaurantes chamados Princesa, em diversos idiomas. Ainda choro quando lembro dela, ainda me emociono quando sei de algum cachorro doente ou que morreu. Como me disseram na época em que ela morreu, o sofrimento existe porque o amor era realmente de verdade.

Lembro claramente dos últimos meses de vida da Princess, em que eu olhava para ela e perguntava: 'o que vai ser da gente quando você não estiver mais aqui?'. Lembro também de olhar no olho dela e dizer: "Eu te amo, nunca esqueça disso" e ela retribuir com um afago. Sempre parceira e querida, ela ficava aos meus pés enquanto eu trabalhava no computador, e me esperava na porta de casa toda vez que eu estava para chegar. Mas a maior lembrança é das vezes em que ela me viu chorar - e lá vinha Princesa colocar suas patinhas em meu joelho e balançar o rabo para me consolar. Extremamente fiel, não admitia que nada me deixasse triste e fazia de tudo para me alegrar.

Quero ressaltar que não gosto de pessoas que tratam cachorro como se fossem pequenas crianças, e fazem o bichinho ser à nossa imagem e semelhança. Sou contra até roupas em animais - salvo no frio, para aqueles de pêlo curto, que precisam ser aquecidos. Mas também nunca entendi pessoas que têm animais em casa e não fazem carinho no bicho, e são incapazes de abraçá-los. Eles não são humanos mas são seres vivos e merecem carinho e respeito! Nunca gostei de cachorro lambendo rosto, mas isso não me impede de brincar com eles e acariciar aquele pêlo fofo!

Aliás, eu adoro brincar com qualquer cachorro - na Europa devem me achar louca porque sempre que vejo alguém passeando com um cachorro eu páro para brincar. Lembro de uma vez em Veneza que eu fiquei brincando com um no vaporetto e depois ele não queria descer com o dono. E isso porque, brincando com um cachorro estranho, eu já fui mordida - eu tinha 6 anos e tomei várias injeções por causa do meu afeto. Mas nem isso me fez gostar menos deles. Pequenos, grandes, machos, fêmeas, adoro todos - especialmente os filhotes que destroem chinelos!!!

Sinto tantas saudades da minha Princess, sinto falta de olhar para ela e achar que só ela me entendia. Sinto falta daquela alegria espontânea, do amor de um bicho que não queria nada em troca. Mesmo quando eu brigava com ela - geniosa, volta e meia ela mostrava seus dentes e recusava carinho quando não queria brincar - aquela cachorrinha vinha pedir desculpas com seu jeito fofo, colocando o fucinho gelado na minha perna e me olhando com toda ternura.

Sempre digo para minha mãe que eu tenho muitas dúvidas nessa vida, mas tinha a certeza do quanto a Princesa gostava da gente. Eu faria tudo de novo por ela, e se pudesse trocar os momentos felizes da minha vida para tê-la de volta, eu trocaria. Sou responsável direta pela existência dela na nossa família - e mesmo não sendo a dona verdadeira, Princesa me adotou com a dona do seu coração.  E ela conquistou esse coração tão cansado, tão triste e que sempre duvidou que o amor existia.

Saudades, Princess. E isso eu sei que vou sentir sempre, mas também sei que dentro do meu coração, um lugar especial é só seu. Obrigada pelos dias e noites felizes, obrigada pelo carinho e pela fidelidade nesses 11 anos, obrigada por ter existido em nossas vidas.



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