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terça-feira, agosto 31, 2010

O primeiro post a gente nunca esquece


*Primeiro post desse blog, publicado em 01/08/2003.



Vinte e muitos anos na estrada


Eu sempre soube que ia envelhecer. Você vai dizer que todo mundo sabe, porém alguns se negam a acreditar que a velhice vai chegar. Acho que sempre busquei isso: ser mais velha. Nunca fui daquelas que escondia idade, que maquiava as rugas e que queria ser crianca para sempre. Desde os “vinte e poucos anos” eu já me sentia velha. Sempre fui a mais adulta entre minhas amigas, aquela que sofreu mais, que teve que abrir mão de muita coisa para tentar ser feliz.

Eu achava que chegaria aos 25 anos bem sucedida, com dinheiro, carro e conheceria Veneza. Achava até que me casaria e antes dos 30 o Rafael, o Lucas ou a Ana Beatriz já teriam nascido. Doce seria a vida se a gente não amargasse decepções. Um dia percebi que os 30 anos batiam à minha porta. Batiam bem forte para entrar e eu fingia que não ouvia. Mas eles vão arrombar a porta e me pegar de jeito. Eles vão aparecer como se não quisessem nada … e vão tomar meu corpo por inteiro.

É questão de tempo. E o tempo está passando. Daqui a alguns dias eu chego aos 29 anos. Uma estradinha de terra percorrida. Levantei poeira, cai, me machuquei mas sempre levantei. No meio do caminho encontrei quem me ajudasse a levantar, quem me apoiasse para não cair e até quem me carregou no colo quando eu já não podia mais andar. Mas encontrei também pedras que custei a remover e pessoas que me deram rasteira; gente que me derrubou sem dó. Gente que ficou para trás, pois a poeira que levantei era tão alta que nunca mais consegui vê-los. Às vezes eu corri em velocidade absurda e perdi o fôlego. Em outras eu andei tão devagar que parecia que não ia chegar a lugar nenhum. Em muitos momentos eu caminhei certa que venceria e não conseguia nada. Em outros eu era a própria derrota caminhando sob o sol. Mas, sabe-se lá como, eu acabava chegando em algum lugar. As curvas apareciam e desapareciam, chovia quando menos eu esperava, as noites eram assustadoras, mas também podiam ser arrebatadoras. Os dias de sol intenso me iluminavam ou me irritavam, os dias nublados me deixavam triste ou me acalmavam. Eu podia ser um turbilhão, um vendaval, uma maresia, um deserto, uma folha seca na estrada. Mas eu percorri esta estrada dignamente, de cabeça erguida, sem pisar em ninguém. Passei 28 anos em busca do lugar ao sol, e esse lugar nunca veio. Deixei para trás amores, dores, amigos, histórias. Vivi como tinha que viver porque tudo foi como tinha que ser.

Eu não temo os 29 anos que estão me esperando ali na esquina. Eles encerrarão minha década, encerrarão minha juventude, encerrarão um capítulo da minha vida. Porque na hora que os benditos 30 anos chegarem, a estrada terá menos poeira e mais luz. Eu tenho 28 anos. Quase 29. Não sou bem-sucedida, não tenho todo dinheiro que queria, nunca tive carro, nunca fui a Veneza. Eu não me casei e o Rafael, o Lucas e a Ana Beatriz não nasceram. Mas eu estou aqui e quando me olho no espelho, nem acredito que os 29 anos estão chegando na minha cara. E eu continuo ai, na estrada. Vendo que além das pedras, a estrada também tem flores. É verdade que as flores têm espinhos. Mas a essa altura do campeonato eu acho que os espinhos é que são privilegiados. Porque são eles que têm a benção de possuirem flores.



Janaina Pereira

Comentários
Que lindo Jana!
Intensa desde sempre, realista e com o dom da palavra!
Post lindo e atual, me identifico muito com vc.
Beijo
 
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