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domingo, agosto 09, 2009

Éramos três


Meu pai morreu quando eu tinha 14 anos. Todo mundo sabe disso - quem não sabe, fica sabendo agora. O Dia dos Pais sempre foi uma data legal, porque a cada oito anos coincide em ser no dia do meu aniversário. Meu último Dia dos Pais com meu pai era um aniversário meu - 14 de agosto de 1988. Desde que ele morreu, já tive dois aniversários em Dia dos Pais... e não foi nada fácil. Nunca é. Eu sempre lembro dele.

Minto para mim mesma dizendo que não lembro esta data. Impossível não lembrar. Meu pai foi a maior - e talvez pior - influência masculina da minha vida. Com ele aprendi que sonhos se realizam, que mulheres podem e devem ser fortes e que ninguém tem o direito de mentir para mim. Meu pai é o grande responsável pela pessoa que sou hoje, pois ele me criou para o mundo. E não era um mundo qualquer: era o mundo masculino, o mundo que eu teria que enfrentar, afinal, mulher nasceu para casar e procriar. As outras. Eu não.

Fui criada para ser uma mulher que o mundo olhasse de outra forma. Aos 12 anos ouvia coisas fora do pdrão convencional. Não sabia cozinhar, enquanto todas as minhas amiguinhas eram prendadas. Brincava de boneca, mas gostava mesmo de jogos de memória que exigiam que eu pensasse. Adorava esportes. Via futebol na TV. Escrevia poesias, já fazia críticas de cinema - aliás, aos 12 anos, eu já ia ao cinema sozinha. Era aluna exemplar, estudava inglês, discutia política, e fugia completamente do tipo de menina que circulava ao meu redor. Eu era prodígio, QI acima da média, vocação para escritora. Eu era tudo que minha mãe não queria - mamãe sempre se preocupou com o fato de sua única filha adorar futebol e não gostar de cozinhar.

Meu pai achava que eu tinha que estudar, trabalhar e ser independente. Que casamento não era emprego, que eu não precisava de nada nem de ninguém para cuidar de mim; eu poderia perfeitamente seguir meus passos sozinhas. Meu pai me ensinou a ser livre, a ser única, a ser especial. Se hoje sou corajosa, como as pessoas dizem, é porque desde cedo tive que enfrentar uma família provinciana que achava que eu só seria feliz casando, tendo filhos, seguindo o padrão.

Sinto uma saudade cortante hoje, daquelas que todas as lágrimas do mundo não poderão amenizar. Se ele estivesse vivo, tudo seria muito diferente, mas não questiono o que aconteceu. Apenas queria voltar um segundo no tempo e ouvir novamente a voz dele, que eu já não lembro mais, e abraçá-lo mais uma vez, e encostar minha cabeça no ombro dele quando eu sentisse medo. Porque eu sinto medo. Graças a ele, sinto medo da mulher forte e independente que me tornei, que talvez não tenha espaço em sua vida para mais ninguém. E aquilo que poderia ser o melhor para mim, hoje pode ser o pior.

Se eu pudesse voltar no tempo eu teria dito outra frase antes dele morrer, eu teria feito algumas coisas diferentes, eu teria perdoado os erros que ele cometeu de outra forma. Mas preciso conviver com o fato de que minha herança é esta mulher independente que ele acreditava que o mundo precisava.

Faltam-me palavras agora. É impossível não chorar quando sentimos saudades de alguém que nunca mais vai voltar. Como a porta de casa, que tantas vezes eu olhei esperando que ele entrasse. Só para eu dizer que eu o amo tanto, e que as coisas ruins nunca vão cicatrizar... mas o amor, que droga, o amor supera tudo, até quando nossos pais não são perfeitos como gostaríamos.

Te amo, pai. Sempre e para sempre.


Janaina Pereira

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