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quarta-feira, novembro 08, 2006

A guerra no rádio


O filme "Guerra dos Mundos", de Steven Spielberg, adaptação de um grande clássico da ficção científica escrito pelo inglês H. G. Wells em 1898, já foi caso de polícia graças a uma apresentação feita para o rádio. Antes da versão de Spielberg, a história foi um filme de Byron Haskin, em 1953, e gerou uma grande confusão no rádio em 1938, quando revelou um radialista que se tornaria um dos maiores cineastas do século XX: Orson Welles.

Aparentemente era uma noite como outra qualquer: 30 de outubro de 1938, véspera de Hallowen.Como milhões de outras pessoas em todo o planeta, os americanos encerravam seu dia ouvindo rádio. Porém, parte da audiência começou a acreditar que os EUA estavam sob ataque de forças alienígenas. E assim, a apresentação de "Guerra dos Mundos" entrava para a história.

Na verdade, não havia motivo para que o público pensasse que a transmissão era real. Os jornais daquele domingo informavam que às oito da noite a CBS apresentaria a peça Guerra dos Mundos no Mercury Theater on the Air, um programa que estreara meses antes. Naquela noite, após descartar O Mundo Perdido, de Arthur Conan Doyle (o criador de Sherlock Holmes), foi preparada a adaptação da história sobre uma invasão extraterrestre, atualizada para o presente e alterada para o formato de noticiário, com apresentação de Orson Welles - que já era um nome conhecido do teatro. Para envolver ainda mais os ouvintes, o roteirista Howard Koch transportou a história da Inglaterra para os EUA, utilizando a região em torno de Nova York como cenário. Foi Koch quem escolheu aleatoriamente o local do desembarque das naves alienígenas: Grover's Mill.

No início da apresentação, a CBS anunciou que se tratava de uma adaptação da obra de H.G. Wells. O problema é que nem todos estavam ouvindo. Naquele horário, alguns programas das sete horas ainda não haviam acabado, e o campeão de audiência no rádio da época era outro, o Chasen and Saborn Hour, transmitido no mesmo horário do Mercury Theater. Por isso, muitos quando sintonizaram a CBS encontraram "Guerra dos Mundos" a pleno vapor, com a música sendo interrompida abruptamente pela notícia da queda de um meteoro e a entrevista com um astrônomo da Universidade de Princeton sobre estranhas explosões em Marte. Poucos notaram que o famoso professor Richard Pierson, que ninguém nunca ouvira falar pois não existia, tinha a voz de Orson Welles.

A transmissão interrompia constantemente a programação "normal" até que um repórter passou a transmitir em tempo integral de Grover's Mill, onde descobriu-se que o meteoro era um cilindro de metal. A tensão foi construída cuidadosamente, utilizando entrevistas com autoridades e uma nervosa descrição do monstro saindo do cilindro. O primeiro confronto terminou com 40 mortos. No segundo ataque, sete mil homens do exército, armados com rifles e metralhadoras, foram aniquilados com raios de calor. Novos cilindros foram localizados. Os marcianos prosseguiram para Manhattan, destruindo e matando com gás venenoso, enquanto a Inglaterra, França e Alemanha ofereciam ajuda. A situação era desesperadora.

Acostumados a se informar por aquela que era a principal mídia da época, cerca de um milhão de nova-iorquinos acreditaram que a história era real e entraram em pânico, alguns saindo em correria pelas ruas, outros se protegendo de gases venenosos com toalhas enroladas na cabeça e cobrindo as janelas com panos úmidos. Imaginem: os americanos preferiam o suicídio à morte, como se todo o país acreditasse numa invasão do espaço.

Davidson Taylor, supervisor da CBS, queria que Welles interrompesse a transmissão e tranqüilizasse os ouvintes que bloquearam as linhas da rádio. Welles teria recusado, dizendo que o público tinha que ficar apavorado. Dois avisos de que a transmissão era uma ficção ainda foram dados antes do discurso final em que Welles avisa que aquela era a maneira do Mercury Theater comemorar o Dia das Bruxas.

A polícia da região de Grover's Mill teve uma noite ocupada, com as três linhas telefônicas tocando ao mesmo tempo com perguntas sobre o meteorito, número de mortos, ataques com gás e convocação de militares.

Anos depois, Hadley Cantril, um dos cientistas que analisou o pânico criado pela transmissão, encontrou testemunhas que juravam ter sentido o cheiro do gás venenoso usado pelos aliens ou visto as chamas da batalha do alto de um edifício em Manhattan. Uma testemunha disse que o trecho sobre as chamas que varriam o país era bastante realista, mas esta cena que nem sequer fez parte do roteiro. Outra testemunha falou que fazia sentido os marcianos serem aliados de Hitler em seu plano de dominar o mundo.

O pânico gerado pela transmissão estava nos jornais no dia seguinte. A Comissão de Comunicações do Governo exigiu uma cópia do programa para análise, e o Congresso começou a pensar numa lei para regulamentar as transmissões de rádio. A preocupação chegou ao Canadá, onde a transmissão foi ouvida e recebida com o mesmo alarme. Em Londres, H. G. Wells reforçou as reclamações, dizendo que não havia dado permissão para alterar sua obra de modo fosse vista como fato, e não como ficção.

Nos meses seguintes, Welles e a CBS foram alvos de centenas de ações judiciais, nenhuma delas bem sucedida. A transmissão de "Guerra dos Mundos" gerou o programa de Defesa Civil dos EUA, foi usada por Hitler em um discurso como exemplo da fraqueza dos EUA, foi a percussora dos estudos sobre o poder da imprensa e objeto do primeiro estudo acadêmico sobre histeria em massa.

O sucesso assegurou a Welles o contrato que o levou a dirigir "Cidadão Kane", considerado o melhor filme de todos os tempos, e a Koch um lugar na Warner, onde ele ganhou o Oscar com o roteiro de "Casablanca". A idéia do noticiário foi de John Houseman e o roteiro foi escrito por Koch, mas o tempo deu a Orson Welles a fama pela transmissão que apavorou os EUA.

Parecia que a notoriedade de Welles e da versão de 1938 tornariam impossível repetir o efeito com uma nova transmissão de "Guerra dos Mundos" nos mesmos moldes. Porém, em 12 de novembro de 1944, uma transmissão em Santiago, Chile, levou à mobilização de tropas de infantaria. E em 12 de fevereiro de 1949, uma transmissão da Radio Quito com atores interpretando políticos locais, jornalistas e testemunhas, levou o povo a incendiar a rádio, matando 15 pessoas. Nos dois casos, os mesmos elementos da transmissão de 1938 - a interrupção da programação com um noticiário, as vozes de autoridades locais conhecidas e a credibilidade do rádio - levaram o público a acreditar que suas cidades estavam sendo invadidas e precisavam ser protegidas.

Assim como em 1938, os fatos mostraram que não é preciso criar pânico generalizado. Pequenos grupos de humanos iludidos já são o suficiente para fazer um grande desastre.


Janaina Pereira

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