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domingo, dezembro 04, 2005

Uma pérola



Quando eu pisei no Pacaembu eu sabia exatamente o que vinha pela frente. Era quase uma matinê: em pleno horário de verão, com dia claro, o Pearl Jam subiu ao palco para fazer seu segundo show em Sampa. E como todos que foram no primeiro disseram que era uma experiência única, eu sabia que ia exorcizar os demônios.

Eddie Vedder, a melhor voz do rock mundial, chegou de mansinho para colocar o Pacaembu para pular e gritar. Confesso que eu sempre tive curiosidade de ver se no palco ele tem toda aquela potência de voz. Apesar do som catastrófico do Pacaembu, Eddie soltou o vozeirão e proporcionou momentos inesquecíveis. Sim, sua voz é tão bela e poderosa quanto nos Cds. A banda é muito boa, tem presença e carisma, mas não dá para negar que Eddie Vedder é fundamental. Ele é o cara: sexy, rústico, eternamente grunge, e com a rebeldia que só quem é roqueiro de vida e de alma consegue perceber. Educadíssimo, falou até palavrão em português. E levou o público feminino ao delírio com seu estilo pouco comportado, e absurdamente sedutor.

“Even Flow”, uma das minhas favoritas, já anunciava logo no comecinho do show que eu teria uma noite eletrizante. A seqüência trouxe a minha letra preferida do Pearl Jam, “I am mine”. Esta música resume meu pensamento do mundo e de mim mesma – será que Eddie Vedder leu meus pensamentos ou eu penso como ele? Foi um momento especial, quando ouvi minha reflexão da vida e sai literalmente do corpo.

O público, muito animado, acompanhava tudo na ponta da língua. A garotada e os nem tão jovens, que esperaram quinze anos para se render à fúria do Pearl Jam, estavam ali reunidos para a celebração. O show deste sábado acabou sendo alternativo, com sucesso antigos como “Present Tense”, do álbum Vitalogy, “Crazy Mary” e “State Of Love And Trust”, lançadas apenas em singles.

O repertório renovado em relação ao show de sexta-feira trouxe ainda um dos mais belos momentos que já vi num palco: Eddie Vedder, sozinho, com violão e gaita, cantou a sua versão emocionante de “You've Got To Hide Your Love Away”, dos Beatles, que foi gravada unicamente pelo vocalista para a trilha sonora do filme ‘I Am Sam’. Esta era a música que eu jamais pensei ouvir no Pacaembu, e valeu por todo o show. Porque para mim, a versão do Eddie é a melhor de uma música dos Beatles, superando inclusive a de Joe Cocker para “With a little help from my friends”. Além disso, ele lembra muito Bob Dylan com esta canção, trazendo uma certa dor e angústia na interpretação. Inesquecível.

As homenagens continuaram com “Kick Out The Jams”, do MC5 - que teve a participação de Mark Arm do Mudhoney -, e "Rockin' In The Free World", de Neil Young. Outro grande momento foi o coro de “Jeremy”, grande sucesso da banda, uma música de letra forte e arrebatadora cantada de forma visceral por Vedder. “Do the evolution” também provocou a fúria típica das letras do Pearl Jam. Os demônios estavam sendo exorcizados com velocidade.

“Elderly Woman Behind The Counter in a Small Town”, "Daughter" e “Can´t keep” também arrepiaram. Mas na hora que tocou “Black”, a melhor balada do Pearl Jam, percebi que meu corpo já não me pertencia mais. Aquela altura eu já tinha me emocionado o suficiente para ter certeza de que estava diante de um dos melhores momentos da minha vida. Minha alma, que por mais de dez anos esperou para passear ao som daquelas músicas, finalmente estava livre. E os demônios foram exorcizados.

“Black” é uma canção para corações partidos. Sua letra é de uma poesia marcante: em poucos versos ouvimos tudo que queríamos um dia dizer – afinal, porque os amores acabam? A letra deixa gravado, para a eternidade, a dor da perda. Casais apaixonados adoram esta música, sem saber, talvez, que ela é um desabafo de alguém que ficou só, mas soube exteriorizar sua dor numa das mais belas músicas que o Pearl Jam já fez.

Mas o momento mais esperado da noite aconteceu de forma apoteótica: a execução de “Alive”, uma das músicas mais explosivas do Pearl Jam (e minha favorita), foi interpretada por Vedder diretamente da platéia. Durante o solo da faixa, e depois do público cantar todos os versos em uníssono, Eddie Vedder pulou para a platéia - como já havia feito na noite anterior - e percorreu uns bons metros no meio dos fãs. Sim, o Pearl Jam está mais vivo do que nunca.

Mesmo que hits como “Last Kiss” e “Why Go” tenham ficado de fora, o show do Pearl Jam neste sábado no Pacaembu deu a certeza de que eles são tão bons no palco que qualquer música vale a pena. E nem preciso dizer que eu adorei. Especialmente porque pude fazer algo que curto muito: sentir a emoção de ver e ouvir minhas músicas preferidas, que fazem parte da história da minha vida, ao vivo. Eu sempre disse que só voltaria a um show em estádio se fosse para ver o Pearl Jam. Eu cumpri o que prometi.

E agora eu posso dormir com a certeza de que hoje foi um dia feliz, e que meus demônios estão presos novamente. Porque toda fúria que eu tinha para libertar, saíram na forma da poesia aflita, cortante e arrebatadora do Pearl Jam.



Janaina Pereira

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