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terça-feira, novembro 08, 2005

O tom do Zé


Formado em Economia, pós-graduado em Sociologia e mestrado em Política, José Amaral foi meu mestre em meus primeiros momentos no Jornalismo. Como ele é leitor deste blog, escreve - muito bem - para alguns sites (colabora com o Perfil do Uol e com o Ziriguidum) e sua veia musical é muito forte, resolvi convidá-lo para escrever aqui. A partir de hoje vocês vão conhecer a trajetória musical deste homem que adora pastel de palmito e é muito gente boa. Com vocês, mestre Zé Amaral, um cara que entende de música como poucos. Ah, este texto é dos bons, e vem em capítulos, um pouquinho a cada dia. Aproveitem. E obrigada, mestre. Pelo apoio, pela atenção e por dizer que meu blog é cult.




NÓS E A MÚSICA

Este texto foi produzido a partir de um pedido de Janaína, aluna talentosa do jornalismo, nascida no Rio de Janeiro e que tive a sorte de encontrar em uma das classes que lecionei no primeiro semestre deste 2005. Dedico estas mal traçadas linhas a ela e também ao garoto Léo que, além de gostar muito de música, tem a virtude de ser vascaíno.

Uma coisa que me dá grande prazer é falar sobre música. Dentre todas as formas de expressões artísticas como pintura, escultura, arquitetura, ela é a que mais me encanta. Não saberia explicar com exatidão o porquê surgiu essa predileção. Sei que é um fato. Popular ou erudita. MPB, jazz, fado, rock, tango, flamenco, reggae, canto gregoriano ou de monges tibetanos. Não importa, sou um apaixonado por essa magia proporcionada pelo som.

Seria uma questão genética? É verdade que não tenho notícias de algum ancestral ter sido maestro ou mesmo instrumentista lá pelos lados da Serra da Estrela, Beira Alta, Portugal, de onde se origina toda família. Era gente simples. Camponeses, pastores de ovelhas, produtores de queijos. Quem sabe esse agrado tenha vindo através de meu pai, cujo assobio é uma das lembranças de mais tenra idade, ouvindo-o desenvolver melodias enquanto se barbeava ou lidava com seus afazeres no quintal ou no quartinho em fins de semana. Talvez tenha sido por causa de minha mãe, envolvida no dia a dia com suas ‘prendas domésticas’, lavando, passando, cozinhando para os dois filhos e o marido, cantando as canções aprendidas no rádio, ligado todo tempo, como se fosse um outro integrante da casa, cheio de histórias, opiniões e novidades. Pai assobiador e mãe cantora. Seria? Bem, do meu irmão não foi. Eu o carreguei no colo. Podemos aprender a gostar de música ouvindo berreiro de criança pedindo chazinho de erva cidreira para acalmar dores de barriga? Só se for.

A resposta é possível que esteja no convívio comunitário, aquele chamando pela sociologia de ‘grupos secundários’, os amigos, colegas e vizinhos. Vejamos. Segundo meus arquivos da memória, tempos de pré-primário, lá pelos lados do Belenzinho, a Rita, a Maria Amélia e a Tânia gostavam de brincar de boneca. O Eduardo e o Douglas gostavam de brincar de carrinho e jogar futebol. Assim como, já na Vila Guilherme, faziam o Ricardo, o Natanael, o Zé Bacalhau, o João da dona Erotildes, o Yuri, o Tião, o Chiquinho, o Luizinho e o Birico (os irmãos mais magros que já conheci). Não lembro muitas demonstrações artísticas nessa época entre tais figuras. Deixe-me pensar um pouco mais. O Haroldo e o Reginaldo? Qual o quê, o negócio deles era contar piadas. O Hermes? Esse estudava e declamava em eventos cívicos na escola poesias como ele só. O Marcão, da dona Geni e do saudoso sr. Domingos? Super criativo, o objetivo dele era construir um foguete e ir até a lua partindo do seu quintal. O João Marcos? Nada, ele gostava mesmo era de dar tiro de chumbinho em bonequinhos de plástico. Esperem um pouco: seria por causa da Suzana, irmã do Serginho? Acho que não, embora seja verdade que ela cantava no portão de casa enquanto mexia os cabelos longos e escuros. A Janete, da dona Marta, falava que a amiga apaixonou-se e assim ficava enrolando a língua numa daquelas baladas inglesas que faziam sucesso. Um tempo que a moçada dava bailinhos e menino com menina dançavam colados! Sim, já houve coisas assim. Só que eu era muito tímido e não freqüentava tais eventos...

Pequenino, prestava atenção na música que tocava quando ia ver meu avô materno na Bela Vista. Sr. Mário, dona Nair, Conceição, Lourdes, botavam para rodar coisas da Jovem Guarda e afins. Eles gostavam que eu cantasse em sua sala ‘Quero que vá tudo para o inferno’ e ‘A Praia’, respectivamente hits de Roberto Carlos e de Agnaldo Rayol. Ganhei deles meu primeiro disco: um compacto do Trio Esperança. Nem vitrola em minha casa tinha. Mais tarde também me presentearam com o sucesso ‘Retalhos de Cetim’ de Benito di Paula, sambista que ficou famoso martelando o piano. Interessante que, apesar de estar no coração do bairro do Bexiga, o que menos ouvi por lá foram árias de ópera ou canções napolitanas interpretadas pelos muitos oriundi e descendentes de italianos que habitavam o pedaço. Porém, pude ver e ouvir várias vezes, subindo a rua Manoel Dutra, a alvi-negra escola de samba Vai-Vai, fundada em janeiro de 1930. Salve o pessoal do Saracura!

Dona Norma na 5ª série foi minha professora de música número 1. Com ela efetivamente pude tocar as primeiras notas musicais através de uma flauta doce. Observem: isso era escola pública. Através dos trabalhos que pedia, descobri a série da Abril Cultural chamada “História da Música Popular Brasileira” onde fascículos semanais ou quinzenais procuravam mapear os grandes compositores da MPB e davam, junto com o texto escrito por especialistas, um disco com 10 ou 12 canções do personagem em destaque. Até hoje é um excelente recurso de pesquisa. Lembro-me de ter feito um trabalho com o pianista e compositor Johnny Alf, autor de ‘Eu e a Brisa’ e ‘Ilusão à toa’. Nos sebos da cidade ainda há possibilidades de se achar vários desses exemplares uma vez que houve 3 ou 4 edições da coleção. O colégio também tinha uma bela fanfarra da qual nunca participei. Que bobeira... assim, como os tais bailinhos, é outra das minhas frustrações acumuladas.


(continua ...)

AMANHÃ: Zé Amaral e os anos 70. Aguardem.



Janaina Pereira
Redatora

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