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terça-feira, setembro 27, 2005

Eu, você, nós


Minha paixão pela dança vem desde muito cedo. Nunca quis ser bailarina, mas sempre sonhei em fazer sapateado e dança contemporânea. Já me imaginei excursionando pelo mundo, literalmente, dançando. E é isso que sempre me levou a ter verdadeira fascinação pelas companhias de dança.

Após três tentativas frustradas – tentei, em vão, assistir “Casa”, “Mix” e “Rota” no Rio – finalmente consegui conferir de perto a beleza e a força da Companhia de Dança Deborah Colker. Uma das maiores e mais conceituadas coreógrafas brasileiras, Deborah tem aquele estilo visceral e deslumbrante que sempre me agradou. Rápida, mordaz e furiosa, suas coreografias são verdadeiros estudos do que se esconde na alma humana. Em seu sétimo espetáculo, “Nó”, ela trouxe como tema o desejo e as amarras que ele pode nos causar.

“Nó” fez sua estréia mundial em maio no Festival de Wolfsburgo, na Alemanha, onde se apresentou por quatro dias, com enorme sucesso de público e crítica. No Brasil, estreou no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, onde fez temporada popular durante dois meses, com lotação esgotada. Agora, finalmente o espetáculo chega a São Paulo com sua proposta inusitada: são 120 cordas emaranhadas onde os bailarinos se amarram, em movimentos de aprisionar e libertar. Assim como o desejo, as cordas provocam prazer e dor, sofrimento e libertação. “Nó” traz os elementos que tornaram a companhia um fenômeno de comunicação com o público - a precisão coreográfica, a leveza e o vigor dos bailarinos e a exploração de novos espaços cênicos – além de diversas novidades.

Os 16 bailarinos - incluindo Deborah - fazem um espetáculo que tem altas doses de erotismo, numa explosão de sentimentos arrebatadores. Violento e delicado, brusco e sensível, chocante e amoroso, “Nó” é um desfile de sensações antagônicas, que nos deixa com uma felicidade angustiante.

No primeiro ato, os bailarinos se movimentam em meio ao emaranhado de cordas que dão nós e simbolizam os laços afetivos que nos amarram. Estas cordas servem para aprisionar, puxar, ligar e libertar, tudo num ritmo musical bem marcado e desconcertante. Em uma companhia reconhecida pela disciplina, foram necessários meses de treinamento exaustivo para lidar com o acaso das cordas, já que, a cada dia, os movimentos saíam diferentes. Também foi preciso dominar novas técnicas. Deborah utilizou o bondage (técnica com cordas para controle da dor, do movimento e do prazer) e o conhecimento de todos os tipos de nós, aprendidos com um marinheiro, para contribuir na construção coreográfica.

No segundo ato, saem as cordas e o palco é ocupado por uma caixa transparente de 3,1 x 2,5 metros, uma criação do cenógrafo Gringo Cardia. A inspiração veio de uma viagem que Deborah fez a Amsterdã, na Holanda, onde visitou o Red Light District (Bairro da Luz Vermelha), em que garotas de programa se expõem em vitrines nas fachadas das casas. Neste aquário gigante, feito de alumínio e policarbonato - material usado na blindagem de carros - os bailarinos se apresentam numa vigorosa coreografia, com corpos sendo entrelaçados, se atraindo e se opondo, dentro e fora da caixa. É uma metáfora do desejo, daquilo que se quer, mas não se pode ter, do que se vê, mas não se pode pegar, de tudo que se ambiciona, mas não se pode realizar. Quando observamos os corpos perfeitos em movimentos que se atam e se desatam, temos a incrível sensação de que, ao desfazer os nós, ficaremos irremediavelmente sozinhos. Esta separação, que vem desde o ventre, com o rompimento umbilical, nos acompanha por toda a vida e se mostra muito presente nas relações amorosas, onde amor e dor rimam, onde prisão e paixão combinam. Ao fundo, a voz de Elizeth Cardoso em “Preciso aprender a ser só” ilustra a solidão de cada um de nós. Os bailarinos equilibram técnica clássica e contemporânea em movimentos delicados e brutais. Com trocadilho, deu nó na garganta.

Para dar conta da complexidade do tema, a companhia modificou o seu sistema de trabalho e, paralelamente aos trabalhos físicos, introduziu aulas de filosofia com o professor Fernando Muniz, que continuará fazendo parte da equipe. Os figurinos ganharam a ousadia de Alexandre Herchcovitch, que, fiel ao tema proposto, criou roupas cor de carne, com toques de vermelho e preto.

O público é um privilegiado voyer desse espetáculo recheado de elementos fetichistas, como cabelos e cordas. Deborah, que dá show num solo emocionante, mostra maturidade ao propor um tema tão abrangente quanto singular. Os nós, que nos deixam sufocados em relações onde somos ora dominados, ora dominadores, ao se desfazerem nos deixam completamente sozinhos. Não é à toa que os nós somos nós que rima com sós.

A Companhia Déborah Colker mostra, num espetáculo imperdível, que tudo que é perverso também é sedutor; tudo que seduz tem um toque de perversão e tudo que nos amarra, nos liberta.




Teatro Alfa
Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722
Fone: (11) 5693 4000
Dias 23, 24, 25, 27,28 e 29, 30 de setembro, e 1 e 2 de outubro. Horários: 21h; domingo às 18h
Ingressos: R$ 30 a R$ 70 (estudante paga meia !)



Janaina Pereira
Redatora

Comentários
Olá!
Passei pra mandar um Beijo!
 
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