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quinta-feira, setembro 15, 2005

Eu já tive um relógio digital


(para ler ouvindo “Cinema Mudo” dos Paralamas do Sucesso)


Uma das coisas boas da minha vida é ter chegado aos 30 anos em pleno século XXI. Isso significa que vivi minha infância, e começo de adolescência, nos divertidos anos 80. Estudando a estética daquela década, pude observar com mais precisão tudo que passou na minha vida. Sem dúvida que os anos 80 tinham um lado meio brega, aquela cafonice colorida e espalhafatosa, um jeito kitsch de ser. O kitsch existe até hoje, vai existir sempre, mas foi muito forte naquele período. Eu olho para trás e vejo como era engraçado, e como as referências foram realmente marcantes.

Eu nunca tive um All Star. Comprei o meu aos 26 anos, já morando em São Paulo. Verde. Porque All Star verde era muito anos 80 e mesmo já tendo passado a época, eu tinha que ter um. O tênis All Star era caro demais e minha mãe nunca pode comprá-lo para mim. Eu também não tive bamba, nem kichute, mas tive conga e melissinha. Ah, tive várias melissinhas, cada uma mais fofa que a outra. Vermelha, azul, rosa, transparente, cor de guaraná – tinha essa também ! – verde ... cada uma delas combinava com uma bolsa. E com a pulseira do relógio Champion. Fashion demais, mas ninguém usava a palavra ‘fashion’ para definir algo que estava na moda.

Meus brinquedos eram da Estrela. Tive uma Barbie – e a piscina da Barbie, o guarda-roupa da Barbie e tudo mais que a casa maravilhosa da Barbie podia oferecer - e uma Susi também. Brinquei de Banco Imobiliário – dos outros, eu não tinha. Até hoje tenho meus jogos guardados: ‘boca rica’, ‘cara a cara’, ‘cilada’ e meu inesquecível dominó da Disney. Nunca andei de patins de rodinha porque queria ter um skate. Não me deram nem uma coisa nem outra.

Eu usava calça pescador – calça capri é um nome fashion criado no fim dos anos 90. Tive camisetas rosa shocking e verde limão. Tive uma ridícula gravata feminina – salmão – que nunca usei porque não conseguia colocá-la – e nem minha mãe sabia ! Minhas roupas desde aquela época eram coloridas: lilás, azul e amarelo predominavam no guarda-roupa. Usei gel New Wave, que dava um brilho molhado e luminoso ao cabelo. E Studio Line da L´oreal posteriormente. Vestidos com faixa na cintura. Saia balonê. Tiara nos cabelos, que eram curtíssimos.

Eu sou da época em que o Ricky Martin era um menino bonito do Menudo. Dançava new wave nas matinês. Ouvia Blitz e Lulu Santos. Aos 8 anos de idade descobri os Paralamas do Sucesso com ‘Vital e sua moto’. Aos 12, eu concordava com Renato Russo na música ‘Pais e Filhos’. Aos 13, eu perguntava com ele: ‘Que país é esse?’. E aos 14 eu assistia “Vale Tudo”, a novela que é cada vez mais atual, ao som de ‘Brasil’ do Cazuza, na voz da Gal. E já naquela época ele dizia: ‘ tem TV a cores na taba de um índio programada só pra dizer sim’. Enquanto isso os Titãs gritavam: ‘a TV me deixou burro, muito burro demais’. Eu fui criada na frente de uma TV devorando Chacrinha, Bolinha, Silvio Santos, Os Jetsons, reprise do Batman dos anos 60, Ultraman, Spectroman, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Flinstones, Mr. Magoo, Scooby Doo, Caverna do Dragão, He-man, Flipper, Sessão da Tarde com filmes do Elvis e do Jerry Lewis, Sessão Aventura com ‘Caras e Caretas’, ‘Super Gatas’ e ‘Super Vicky’, e ainda meus seriados preferidos: ‘O incrível Hulk’, ‘As panteras’, ‘A ilha da fantasia’, ‘Casal 20’, ‘A feiticeira’ e ‘Jeannie é um gênio’. E meu herói das tardes era Ferris Buller, o protagonista de ‘Curtindo a vida adoidado’.

Eu vi quase todos os filmes dos Trapalhões no cinema, numa época em que eles eram campeões de bilheteria. Na TV, eram os meus ídolos. Meu primeiro filme legendado foi ‘ET’. Meu primeiro filme no vídeo foi ‘Top Gun’. Eu vi o Indiana Jones no cinema. E vi o Marty Mcfly em ‘ De volta para o futuro’ no Natal de 1985, quando o filme estreou nas telonas brasileiras. Sou da época que havia censura, e por isso quase não pude ver ‘Robocop’ (eu tinha 13 anos e o filme era censurado para 14). Aliás, a paixão pelo cinema vem de lá, dos anos 80: eu via dois filmes por semana e achava pouco. De lá também vem meu amor pelos gibis: Mônica, Luluzinha, Mickey, Batman, Calvin & Haroldo, Recruta Zero, Hagar e meu adorado Snoopy. Ganhava uma HQ por semana. Lia na hora.

Eu lembro da ditadura, do Figueiredo preferindo cavalo a gente, das Diretas Já e os comícios na Cinelândia. Vi pela TV o Congresso Nacional eleger o Tancredo Neves e detonar o Paulo Maluf. E vi também a agonizante morte do Tancredo. Lembro exatamente do dia em que ele morreu e a sensação de que ficamos todos órfãos invadiu o país. Eu sei o que foi o Plano Cruzado, o congelamento de preços, ágio, fila no mercado, carne desaparecendo das prateleiras, fiscais do Sarney. E ainda lembro do Plano Verão, do cruzeiro velho e da nota de mil que era um barão – do Rio Branco. Vi o cruzado nascer, morrer e dar lugar ao cruzado novo, que depois cedeu sua vez ao novo cruzeiro, que virou o real. A gente cortava os zeros da moeda, mas a inflação sempre dava um jeito de voltar.

Eu vi o Brasil perder a Copa de 82. E a de 86. E a de 90, na famosa era Dunga. Éramos perdedores. Vi o Botafogo ser campeão pela primeira vez em 89, aos 15 anos, gol de Maurício. Vi a primeira vitória do Ayrton na F-1, no GP de Portugal em 1985. Mais do que isso: eu vi a estréia do Ayrton na F-1, no GP Brasil de 1984, na época em que a corrida ainda era realizada no Autódromo de Jacarepaguá, no Rio – que ainda não se chamava Nelson Piquet. Eu cresci tendo a referência de que ele era o brasileiro que dava certo. E era mesmo.

Eu vivi num país diferente. Eu era diferente. Era uma criança que adorava televisão, bebia muito kisuco e refrigerante, comia batata frita quase todo dia, escrevia pra caramba, era tímida demais. Eu cresci. Hoje não gosto de TV, não bebo kisuco e refrigerante é raro. Ainda curto batata frita, mas não como sempre. Preservo minha timidez. E escrever é mais do que uma paixão: é meu ofício. E essa é a maior herança dos saudosos anos 80, onde meu interesse pelas palavras e meu olhar crítico para o mundo começou a se desenhar com tons fosforescentes. Exatamente como era aquela década.


Janaina Pereira
Redatora

Comentários
Evidente que seu gosto pelas cores continua o mesmo!
Combina com vc!
Mas,os trapalhões -cá pra nós- eram os mais chatos!!! :/
Tudo bem...qnd eu crescer, também não vou ter vergonha de dizer que assistia a fada bela todos os dias.
Mas só qnd eu crescer...
 
Jana,

que legal ler o seu texto... nossa ! foram passando todas as lembranças na minha cabeça de todas estas coisas que vivi também.

Demais o seu texto.
beijo da amiga
 
Pois é estou na lan house e neguinho nom mínimo deve ter achado que sou doido. Aplaudir texto pode? Duca, retratinho do que foi aquilo para nós...Esqueceu de um seriado que eu pirava, "Manimal", o detevive que virava bicho...Anos 80.
 
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