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sexta-feira, maio 06, 2005

Bendito fruto do vosso ventre


Vem aí o Dia das Mães, uma das datas mais comerciais que existem no mundo. Detesto pensar que sou obrigada a fazer coisas que não quero: dar presente, ir ao Rio e participar dos festejos familiares pelo simples fato de que terei, para sempre, que agradecer a minha mãe pelo meu nascimento. Só que eu não pedi para nascer, certo? Errado. Mãe é carma. E dos mais fortes que existem.

Não pensem que sou uma filha desnaturada e que não gosto da minha mãe. Não é bem por ai. Eu dou valor a ela e a todas as mulheres que têm esta brilhante vocação. Não sei se sou capaz de dar conta do recado. Não sei se quero dar à luz e abrir mão da minha vida de mulher-solteira-que-não-procura-nada-além-da-sua-própria-independência. Odeio pensar que posso ter alguém amarrado em mim para sempre. Porque filhos são eternos, ou pelo menos somos obrigados a crer nisso.

Como todo mundo que veio a este mundo para se redimir de suas encarnações passadas, repletas de atitudes inferiores, eu também tenho mil problemas com minha mãe. Somos pessoas diferentes, de atitudes e pensamentos opostos. Tem dias que eu a adoro, tem outros que quero que ela fique bem longe de mim. Muito mais do que os 457 km que já nos separam. Eu sempre tive um ótimo relacionamento com meu pai, mas ele morreu quando eu era muito jovem e eu não posso comparar estes afetos. Minha mãe sempre foi a durona, a que brigava, a que batia em mim – e eu merecia muito, pois sempre fui ‘mal-criada e respondona’, como ela adorava dizer quando eu criança. E ela continua me tratando com uma criança, e isso nunca vai mudar. Já me acostumei. Eu estou sempre magra demais, rebelde demais, chata demais, implicante demais e insubordinada demais para minha mãe. Eu nunca a agradei em nada. Ainda que hoje em dia ela não disfarce mais o orgulho que tem de mim, pelo simples fato de que eu sai de casa e dei conta do recado sem ajuda dela, ou de qualquer outra pessoa da família. Se estou aqui hoje foi porque eu enfrentei o mundo sozinha. Mas tenho que admitir que se não fosse a criação exemplar que ela e meu pai me deram, eu jamais teria conseguido.

Acho que a parte mais difícil da história é essa: construir o caráter de uma pessoa, ajudar na formação intelectual de um ser. E foi esse o legado do meu pai, e a melhor coisa que minha mãe fez por mim. Foi ela que me ensinou a ser honesta, a ter caráter, a falar o que eu penso e assumir as conseqüências dos meus erros. Foi ela que, com sua proteção excessiva, acabou me fazendo ser rebelde e passional. Minha mãe nunca me mandou estudar, jamais me cobrou boas notas, e nem ficava preocupada com o que eu fazia na escola. Mas sempre teve a máxima atenção ao que eu escrevia. Sempre detestou minhas críticas ferozes, minhas atitudes ácidas e meu jeito desafiador. Ela foi a primeira pessoa que eu desafiei, que eu confrontei de verdade, que eu encostei na parede para esbravejar contra o mundo. Se algo dava errado para mim, ela era a primeira a ser apontada como culpada. Confesso: não é nada fácil ser minha mãe. Foi graças a marcação cerrada dela que eu aprendi a cobrar de mim mesma e do mundo atitudes que, do meu ponto de vista, são as mais corretas. Ela me fez acreditar que eu podia mudar o mundo. E estava por perto quando eu descobri que tudo não passava de uma grande mentira.

Minha mãe é a pessoa que mais me conhecesse. Ela sabe quando estou triste, quando estou mentindo, quando estou sofrendo, quando estou amando. E ela nem sempre ama aqueles que eu amo, e às vezes insiste em amar aqueles que eu não amo mais. Eu queria, de verdade, que ela fosse mais feliz. Eu queria que ela enxergasse o mundo como eu o vejo, mas eu não posso mais mudá-la. Então eu aceito a minha mãe com todos os seus defeitos, procurando estancar o sangue que ainda jorra de suas cicatrizes.

Eu sei que sou o bem mais precioso que ela tem, e por isso eu respeito minha mãe e todas as mulheres que um dia foram mães, ou as que ainda são, e as que sonham um dia ser. Eu acho que não consigo. Não tenho ventre, nem tempo, nem cabeça, nem paciência para isso. Não tenho coração de mãe. Não sei o que é mais importante para outro, não sei me doar, não sei amar incondicionalmente, não sei abrir mão da minha vida para cuidar de um outro ser. Ainda que eu adore as crianças e tenha muitas delas perto de mim.

Já senti saudades insuportáveis da minha mãe, de doer o coração. Já passei noites chorando, sozinha, querendo muito o seu colo, o seu beijo, o seu abraço. Ainda que ela seja a pessoa que menos me entende. Mas, sem dúvida nenhuma, apesar disso, ela ainda é a pessoa que mais me ama.


Janaina Pereira
Redatora
janaredatora@hotmail.com
www.fotolog.net/janaredatora

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