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quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Quatro vezes eu


(para ler ouvindo “Aquele Abraço”, do Gilberto Gil.)



Meu aniversário chegou. Sim, eu já contei pra vocês, eu faço aniversário três vezes por ano: no dia de Iemanjá – 2 de fevereiro -, no dia que nasci – 14 de agosto – e no dia que vim para São Paulo – 4 de fevereiro. Tá certo que eu só cheguei aqui na madrugada do dia 5. Mas eu deixei o Rio na noite do dia 4 e esta é uma data muito especial para mim.

Estava lendo o texto do ano passado (curiosos, leiam o texto "Tricampeã" de 5 de fevereiro de 2004) e eu fiquei absolutamente comovida com o que escrevi. Ainda é muito forte lembrar das batalhas diárias pela sobrevivência quando cheguei. De como era difícil abrir mão de tantas coisas porcausa de um objetivo de vida. O pior de tudo sempre foi estar sozinha e perdida aqui. Ser mal tratada, humilhada, questionada, amordaçada, calada abruptamente sem dó nem piedade. Quantas rasteiras, quanta gente que passou pela minha vida só para me testar. E eu sobrevivi a todas elas. Sobrevivi a todas as pedras que me atiraram, a todas as amarguras, a todas as incertezas.

Eu nunca comemorei minha vinda para São Paulo. Mas eu nunca deixo de lembrar dessa data. Eu lembro da sensação que tive ao chegar aqui, numa madrugada fria, e olhar a avenida Doutor Arnaldo, ao descer do metrô Clínicas, com uma sensação de vitória absoluta. Eu lembro do sentimento que tive, após três meses rodando pasta aqui, quando consegui minha primeira oportunidade. Lembro que eu liguei para minha amiga Cida no Rio e disse: “Eu consegui entrar no mercado. Eu consegui entrar em São Paulo.” E xinguei um palavrão, claro. Lembro quando no ano passado eu engoli as falsidades daqueles em quem eu confiei e entreguei nas mãos de Deus a minha vida. E em troca eu recebi a força que me tirou do limbo rumo à luz.

Eu nunca vou desistir, nunca vou deixar de acreditar e nunca vou deixar de viver a minha vida com a intensidade que ela merece. Eu escolhi estar aqui e tenho muito orgulho da minha trajetória. Não me corrompi, não cedi, não mudei meu caráter nem minha personalidade. Eu amadureci, emagreci, ganhei cabelos brancos mas continuei com o mesmo olhar determinado para a vida. Eu não ganhei Cannes, eu não tenho um carro zero, eu não viajei pelo mundo e não comprei uma cobertura na Lagoa. Mas eu sai do Méier para viver a minha vida da forma mais iluminada possível. E apesar de tudo e contra a vontade de todos, eu consegui.

Eu não sou melhor do que você que está lendo este texto. Talvez você me ache legal, talvez me admire, talvez me ache uma idiota, talvez queira apenas matar sua curiosidade sobre a minha vida. Mas se você acha que eu sou forte, corajosa e determinada, eu só tenho uma coisa a dizer: pare de pensar e faça. Não existe medo, nem ansiedade, nem desespero, nem crítica que faça alguém abandonar seus ideais. O mundo precisa de gente que revolucione, que grite, que ouse. Você quer morar sozinho mas não abre mão da cerveja no fim de semana – daí não consegue juntar dinheiro para seu aluguel e continua morando com seus pais ??!! Isso é um problema seu, que é covarde e não quer mudar. Porque se você quiser, você muda. Para isso terá que abrir mão de alguma coisa. A vida é assim mesmo, feita de escolhas. Faça a opção pela sua vidinha mediana e você será sempre o que é hoje. Arrisque e dê a cara pra bater que tudo começa amudar.

Eu abri mão de uma vida confortável com minha mãe, com casa própria, comida pronta ao chegar do trabalho, viagens fins de semana, dinheiro só para fazer o que eu queria. Troquei uma vida tranqüila de uma família classe média do bairro suburbano do Rio de Janeiro por um quarto sem TV em São Paulo. Por momentos em que eu não podia nem comprar casquinha de baunilha do McDonald´s. Por várias noites em que eu ia dormir cedo porque não tinha o que fazer nem com quem falar. Por uma cama de hospital, quando doente, sozinha e sem plano de saúde, precisei me cuidar. Foram estes momentos de intensa solidão, agonia e tristeza que me tornaram a pessoa que sou hoje. Alguém que valoriza cada centavo que tem, cada momento de alegria, cada cerveja com os amigos, cada viagem ao Rio, cada almoço com antigos colegas de trabalho, cada telefonema que vem de longe, cada abraço que vem de perto.

Pois é, olha eu aqui na Paulicéia com meu sotaque inconfundível. Porque o Rio de Janeiro continua lindo e eu continuo sendo. E agora que já deixei de engatinhar e estou caminhando em Sampa, completando orgulhosamente quatro anos de vida aqui, só tenho uma coisa a dizer – na verdade é uma pergunta que muito me intriga: ah, São Paulo, o que seria de mim sem você ?


P.S.: uma versão deste texto está no site Trampolim - www.trampolim.art.br


Janaina Pereira
Redatora
janaredatora@hotmail.com
www.fotolog.net/janaredatora



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