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domingo, fevereiro 27, 2005

O mar como testemunha



O mar que dá a vida também pode tirá-la. Com esta metáfora contundente como pano de fundo, traçando uma emocionante história baseada em fatos reais, “Mar Adentro”, o sensível filme de Alejandro Amenábar (diretor do excelente “Os Outros”) é de deixar qualquer um com lágrimas nos olhos. Até eu, que não costumo chorar no cinema, fiquei profundamente comovida com a história de amor e morte desta produção espanhola repleta de delicadeza e sofrimento.

Ramón Sampedro (Javier Bardem, de “Carne Trêmula”, simplesmente espetacular e arrebatador) é um homem que luta desesperadamente na justiça para conseguir legalmente morrer. Preso a uma cama por mais de 27 anos, desde que um mergulho o deixou tetraplégico, Ramón convive com sua dor, tenta apagar o passado da memória e observa o mundo de uma única janela em seu quarto. Como não pode mover-se, ele necessita de outras pessoas para cometer o suicídio. E por não querer que ninguém seja acusado de crime, vai aos tribunais para conseguir o direito de morrer. Ramón conta com o apoio da cunhada, do sobrinho, da advogada e de uma ativista favorável à morte digna. Contra ele estão o irmão mais velho e uma de suas dezenas de fãs, que se recusam a aceitar a idéia de eutanásia. Neutro está seu pai, que sofre calado por ver o filho desejar desesperadamente a morte. Apesar de sua situação amarga, Ramón tem um olhar doce e um jeito carismático de ser, e aprendeu a sorrir ao invés de chorar quando está triste, o que o torna uma figura especial para todos, e irresistível para as mulheres. E no meio destes conflitos e emoções passamos mais de duas horas sem saber de que lado o amor ao próximo deve ficar.

Com atuação visceral de Javier Bardem – que aos 36 anos de idade interpreta um homem de mais de 50 que não move um músculo sequer, com profunda dedição e sutileza – e direção segura de Amenábar, além de um elenco coadjuvante afinado, “Mar Adentro” conseguiu fazer comigo o que somente três filmes até hoje fizeram: eu chorei no cinema. Mais do que isso: na metade do filme eu já me sentia envolvida e emocionada e ao final dele as lágrimas caíram lentamente pelo meu rosto (para matar a curiosidade, eu chorei também com “Sociedade dos Poetas Mortos”, “Cinema Paradiso” e “O Carteiro e O Poeta”).

Vale muito a pena conferir este filme sensível e humano, que discute com muita sobriedade o que devemos fazer na hora que alguém que amamos deseja partir desta vida por livre e espontânea vontade. Nunca tinha pensado na eutanásia, e de repente me senti mal ao descobrir que eu ajudaria alguém que amo a morrer, se esta fosse sua vontade. Porque afinal de contas, viver não é uma obrigação e morrer é um direito que nós temos.

“Mar Adentro” é um filme que jamais vai passar desapercebido. Sincero, profundo e avassalador, é o favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro – injustamente, Javier não concorre como ator. E vale lembrar que foi este filme que desbancou o ótimo “Má Educação”, do Almodóvar, como o candidato espanhol ao Oscar. E não é qualquer um que tira Almodóvar do páreo. Assista “Mar Adentro” com o coração e a alma preparados para encarar aquilo que mais tememos: o encontro inevitável com a nossa morte. Mas, além disso, o filme também é um relato de que viver é muito mais do simplesmente estar vivo. Longe de ser um manifesto a favor do suicídio ou de julgar os tetraplégicos, a história é uma ode à vida e ao respeito que devemos ter pelo ser humano, independente das suas condições. Talvez seja exatamente por este motivo que “Mar Adentro” transmita tanta dor e ao mesmo tempo tanta força, e atinja em cheio aos nossos corações.


Janaina Pereira
Redatora
janaredatora@hotmail.com
www.fotolog.net/janaredatora

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