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terça-feira, janeiro 11, 2005

Os espinhos da rosa



É fácil perceber quando eu não estou bem. O sorriso fica raro, o olhar se
perde, as palavras não tem força e eu pareço sempre distante. Na realidade estou distante. Eu detesto ficar doente. Porque isso é um sinal de que minha alma está sofrendo. Minha alma adoece e o corpo paga. Sempre.

Adoro morar sozinha e preciso muito da solidão e do meu silêncio. Quando eu abro a porta de casa, todos os dias, olho com orgulho meu lar e penso: “eu consegui”. Eu busquei a minha vida inteira ter a minha casa, o meu canto, do meu jeito. Eu preciso estar só para fazer as coisas como eu quero. Eu detesto regras, detesto imposições, detesto gente se metendo onde não é chamado. Eu sempre quis ter a liberdade de entrar e sair sem dar satisfação, sem me preocupar se alguém vai acordar com meu barulho. Eu sou egoísta e não gosto de dividir nada com ninguém. Nem mesmo meus amigos, que eu morro de ciúmes. O único inconveniente de morar sozinho é ficar doente. Mas se não há com quem dividir esta angústia, o negócio é se cuidar e pronto.

Enquanto eu estava no hospital, tentando fazer uma coisa tão simples aos
mortais – respirar - fiquei pensando o que me levou aquela situação. Cada
pneumonia que tive foi por um motivo específico. Todas foram resultado de um processo longo e doloroso, de uma tristeza avassaladora que se alojou em meus pulmões. Quando tive cálculo renal, eu transformei em pedras, as
pessoas que atrapalhavam o meu caminho. E cada uma foi eliminada de modo
cruel, num processo violento de dor e revolta. As incontáveis dores de
garganta foram resultado simples de me calar, quando eu deveria ter falado. A miopia que me acompanha desde a adolescência nada mais é do que o reflexo do medo que sempre tive. Medo que faz o estômago doer vez o outra. E a raiva, que eu tantas vezes deixo explodir, se aloja no meu fígado e causa estragos. E a rinite, que hoje é uma fortíssima sinusite ... é reflexo de uma aparelho respiratório frágil demais. Tudo ligado a uma pessoa que somatiza tristezas. Freud explica. E meu pouco tempo de análise também.

Não sou daquelas que dizem que fez terapia. Terapia é o caramba ! Eu fiz
análise, com psicólogo. Não tomei remédios mas soltei alguns fantasmas e
algumas cicatrizes se fecharam. Porém, uma ferida me persegue ao longo dos anos e essa, pelo jeito, nunca vai se fechar.

A gripe que fez minha sinusite ser pior do que de costume só entrou no meu corpo porque estou frágil. Porque estou triste, estou cansada, estou com o coração partido, a cabeça sem rumo, a vida sem direção. Eu não sei porque no final da história eu preciso perdoar, eu preciso esquecer, eu preciso relevar, eu preciso fazer as pazes. Eu sempre acabo sendo a culpada. Porque as pessoas nem pedem mais desculpas, elas fingem que nada aconteceu e eu só preciso me calar e aceitar.

Fugir não adianta. Não adianta jogar tudo pro alto e sair correndo, os
problemas vão atrás. Acho que já não tenho nem mais forças para chorar. O
que mais dói é saber que as pessoas, nos momentos de fúria, sempre falam a verdade. Falam o que não tem coragem de dizer em qualquer outra situação que não seja a raiva. E as palavras, essas ficam para sempre, como cicatrizes que perfuram e machucam o coração.

Talvez eu tenha mudado mesmo. Talvez eu hoje seja muito mais capaz de seguir meu caminho sem olhar para trás. Talvez eu seja menos apegada as pessoas, aos acontecimentos e à própria vida. Eu deixo as ondas me levarem e já não resisto mais, não fico tentando remar contra a maré. Talvez agora percebam que eu não sou mais alguém facilmente manipulada; que não sou mais uma menina assustada que se deixou fechar numa redoma de vidro. Eu quebrei a redoma e sai já faz tempo. Como é difícil entender – e perceber – que eu cresci e amadureci. Que eu não sou o esteriótipo que se espera de uma mulher da minha idade. Eu não casei, eu não tive filhos e nunca precisei de homem algum ao meu lado para me dizer o que e como fazer as coisas. Eu aprendi desde cedo a viver de acordo com algumas regras rígidas que eu fiz questão de quebrar ao longo dos anos. Eu sai de casa porque quis, sem emprego, sem apoio, sem amigos, sem lar, sem dinheiro, sem nada. E se hoje eu sou o que sou e estou onde estou foi porque eu dei minha cara para bater. Eu cai e me levantei todas as vezes e mesmo cansada, mesmo esgotada de sempre lutar, eu nunca desisti. Eu nunca precisei fazer nada contra minha índole, nem denegrir meu caráter, para conseguir qualquer coisa. Eu não fico me queixando que minha vida está difícil, porque eu nunca achei que seria fácil. Eu olho para trás e lembro exatamente o que eu era: uma frágil menina forte. E hoje, só por hoje, se ainda me permito ser frágil, eu sento na sargeta e choro. Mas eu sei, eu sempre sei que isso passa. Porque as estrelas sempre estarão lá, mesmo nos dias nublados ... elas só foram encobertas pelas nuvens.

Então sempre vai ter um amanhã; sempre existirá um talvez, um porque, um
senão. Sempre teremos brigas, choros, lágrimas, desavenças, reconciliações, perturbações e aflições. As dúvidas não vão se dissipar. A alegria não será para sempre. O amor talvez seja a única coisa que permaneça até o fim dos meus dias. E eu só queria ter certeza de que todo o amor que tenho estou doando para as pessoas certas. Mas nem isso eu posso saber. Por isso mesmo o melhor a se fazer agora é curar a sinusite, enxugar as lágrimas e deixar que a vida siga seu rumo.

Vinícius de Moraes tinha razão: tristeza não tem fim, felicidade sim. Mas
ele também disse que é melhor ser alegre que ser triste porque a alegria é a melhor coisa que existe ... mas para fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza. Acho que para escrever com a profundeza da alma também é assim. Eu preciso estar bem triste para escrever as metáforas da vida. Até o Rei – ele mesmo, Roberto Carlos – tem uma ótima música que reflete isso: “ pois sem você meu mundo é diferente, minha alegria é triste.”

Hoje minha alegria é assim: triste, melancólica, incompleta. Mas vai passar. Porque assim como a Cecília Meirelles, eu também aprendi a me deixar cortar pelas primaveras para poder voltar sempre inteira.


Janaina Pereira
Redatora
janaredatora@hotmail.com
www.fotolog.net/janaredatora


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