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domingo, dezembro 05, 2004

Pais e filhos


No dia que meu pai morreu, eu vi a minha vida se dividir. Nenhuma dor que viesse depois faria sentido. Sempre que estou muito triste, lembro o quanto sofri naquele dia. Sou capaz de detalhar cada momento. Sei exatamente o sentimento que tive naquela manhã de sete de março. Passaram-se quinze anos e a dor, quando volta, continua avassaladora.

Uma das minhas maiores preocupações na vida foi jamais procurar um substituto para o meu pai. Fiz análise para tentar entender a minha cabeça – não ajudou, mas aliviou meu coração. A morte do meu pai, mais do que uma lacuna na minha vida, deixou também um rombo emocional jamais preenchido. Meu pai era muito calmo, tranqüilo, amigo, alegre, cheio de vontade de viver. Adorava futebol, chopp, praia, comia um monte de bobagem e vivia para o trabalho. Mas eu era, acima de tudo, a menina dos olhos dele. Meu pai nunca me deu mais do que eu merecia, e sempre exigiu muito de mim. Fui a melhor aluna do colégio, a mais fiel e dedicada criança para crescer e ser a mais forte e corajosa mulher. Fui criada para o mundo, para ser dona do meu nariz, para trabalhar e vencer na vida, para fazer do meu trabalho a razão do meu viver. Meu pai sempre dizia: “ jamais ache que casamento é a coisa mais importante da vida de uma mulher; trabalhe e faça do seu trabalho a razão da sua existência. Seja uma mulher independente. “ Eu ouvia isso quando tinha apenas doze anos de idade. Eu cresci com a certeza de que ser uma profissional realizada era meu único objetivo.

Minha relação com a minha mãe sempre foi um desastre. A começar pelo fato de que não fui uma criança planejada e desejada, chegando ao ápice nas diferenças de pensamento e opinião. Eu e mamãe vivíamos em pé de guerra. Uma vez perguntei ao meu pai porque ele sempre quis uma filha mulher. Ele respondeu: “ para fazer companhia a sua mãe.” Eu e minha mãe brigamos a vida inteira, e hoje em dia não é diferente. Até que chegou uma hora que eu chutei o balde e mostrei a ela que a menina que tinha tudo para ser mimada, crescera e aparecera. Nada como um tratamento de choque às vezes ... já faz pelo menos uns dois meses que eu e mamãe resolvemos abrir o jogo e soltar o verbo. E de repente eu descobri que meu pai, aquele homem que era meu herói e a razão dos meus idéias de vida, tinha um lado que eu suspeitava mas desconhecia. E eu enxerguei os defeitos dele, e vi que os defeitos da minha mãe não eram nada. Eu percebi que o amor que eu dediquei a ele era sincero, mas que o amor que eu deixava de dar a minha mãe era injusto.

Meus pais foram e ainda são, as pessoas mais importantes da minha vida. Nenhuma lágrima que eu derramei, nenhuma dor que eu senti, nada que eu tenha vivido supera a dor da perda do meu pai. Eu sempre o amarei pelo homem honrado que foi, por ter me dado uma criação atípica para uma menina. E à minha mãe dedico meu coração e minhas lágrimas, o colo seguro, a certeza de que ela, por mim, é capaz de tudo. Certa vez eu disse a minha mãe que eu não suportaria vê-la morrer, então eu preferia morrer antes dela. Hoje penso o quanto seria injusto isso, pois a dor da perda de um filho é a maior que alguém pode passar.

Hoje, como em tantos dias da minha vida, eu estou chorando de saudades porque meu pai está por perto mas eu não posso mais vê-lo. Porque ele sempre estará perto de mim, me protegendo. Não é a saudade que importa, é saber que depois da morte dele tudo mais perdeu o sentido, todas as dores que vieram se tornaram banais. E é dar valor a mulher que lutou bravamente para que eu seguisse meu caminho, a mesma que mesmo sofrendo com a minha ausência e distância, me ama incondicionalmente. Jamais conseguirei ter por alguém um amor tão sublime como esse. E neste dia de tantas lágrimas e dor, só posso dizer que eu agradeço por ter reencontrado meus pais nesta vida, neste mundo. Porque eles são, foram e sempre serão as pessoas que realmente têm importância nesta minha vida insana.



Janaina Pereira
Redatora
janaredatora@hotmail.com
www.fotolog.net/janaredatora





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