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quinta-feira, agosto 07, 2003

Outro artigo que escrevi quando estava passando uns dias no Rio (o “Forever Young” também foi escrito lá). Eu já estava de saco cheio do bairrismo e de toda essa rivalidade irritante entre cariocas e paulistas. São palavras de carinho para SP. E mais uma declaração de amor ao Rio, a grande paixão da minha vida. Novamente, um título inspirado numa música – dessa vez, U2. Originalmente no site Vox News.




As coisas que eu deixei para trás

Feriado é sinônimo de viagem. No meu caso, viagem de volta para casa. Minha casa, tão perto e tão longe, minha cidade querida, a cidade partida, meu Rio de Janeiro.
E enquanto eu pego a estrada, vem a memória aquela velha rixa que atravessa a Dutra. Por que cariocas e paulistas implicam tanto uns com outros? Não, eu não vou ficar aqui tentando explicar os motivos que levam o lado de cá ou o de lá da ponte área a este tipo de atitude. Mas vou colocar os meus dedos - e minhas mãos - nesta questão. Como uma carioca da gema que adora morar em Sampa.

Aproveito que o Festival de Cannes terminou e novamente a propaganda brasileira mostrou que bate um bolão. E sim, São Paulo continua sendo o centro da propaganda nacional. Daqui a algumas semanas dezenas de publicitários de todo Brasil vão começar a desembarcar na cidade. Em busca
da realização de sonhos e promissoras carreiras. Poucos serão os sobreviventes dessa odisséia.

No dia que eu decidi trocar o chopp nos quiosques da Lagoa pelo pastel no Sacolão da Vila Madalena, eu sabia que comprava uma briga séria. De um lado, minha família e meus amigos. Poucos acreditavam que eu, a garota carioca que
ia à praia todo fim de semana, suportaria viver na selva de pedra paulistana. Do outro lado, o desconhecido. Uma cidade aparentemente fria, repleta de gente apressada. Um lugar sem referências, sem identidade, sem nada para me oferecer - porque nem emprego eu tinha quando cheguei a SP. Eu tinha os amigos dos amigos que moravam na cidade, os conhecidos, os contatos com pessoas do mercado que eu conheci quando morava no Rio e ia pra SP procurar emprego. No dia que decidi que eu ia mesmo morar em SP, eu só tinha um portfólio nas mãos. Eu achava que isso era o bastante.

E durante muito tempo eu convivi com a solidão. Com a certeza de que eu era o nada. E o com a incerteza de cada momento. Tudo era estranho. Todos eram esquisitos. Cada vez que eu ficava perdida no meio do caminho, eu odiava estar em SP. Cada vez que eu me sentia sozinha e não tinha com quem falar, eu detestava estar em SP. Cada entrevista que não dava em nada eu tinha verdadeiro horror de ficar em SP. Eu nem sei quantas vezes eu pensei em voltar para o Rio. Mas sei que toda vez que isso acontecia, alguém do outro
lado da linha telefônica dizia para eu ter paciência, que nada acontecia por acaso e que as coisas iam dar certo.

E o tempo foi passando, as oportunidades chegando, mas eu continuava achando tudo esquisito. Eu era sempre um rádio fora da estação, com um sotaque carregado que irritava algumas pessoas. Eu era mais uma carioca esperta
tentando se dar bem em SP. Ou eu não era uma carioca de verdade, porque carioca de verdade nunca deixa o Rio.

No começo tudo em São Paulo me angustiava. Até os dias de sol. Eu lembrava que no Rio estava dando uma praia maravilhosa e ficava deprimida. Lembrava que não podia ir todo fim de semana pra lá, e que não podia ficar gastando
com interurbano... era mais fácil me trancar no quarto e chorar de saudades. E eu chorei tanto no meu primeiro ano em SP que não deve ter sobrado muitas lágrimas para depois.

A angústia crescia quando alguém resolvia falar mal do Rio para mim. A resposta sempre foi certeira: eu escolhi vir morar em SP e nunca falei mal da cidade. Escolhi os engarrafamentos, a poluição e tudo mais que a cidade
pode me oferecer. Mas foi uma escolha minha, então se eu não falo mal de SP, por favor, não fale mal do Rio perto de mim. O Rio é violento, está desse ou daquele jeito, mas ninguém na face da terra tira o meu orgulho de ser
carioca. E nenhum ônibus pegando fogo numa esquina vai me impedir de ir ao Rio.

Aí vinha o outro lado da história. Alguém queria saber como eu deixei aquela cidade linda para morar aqui. "Porque eu quis" sempre foi uma boa resposta. Porque eu quis uma nova experiência pessoal e profissional. Só isso. É pouco?

Num processo muito lento eu fui me adaptando. Fui descobrindo que eu curtia de verdade morar em SP. Sempre morei perto do Parque do Ibirapuera e isso foi fundamental. Claro, não é a minha praia, mas já me faz desencanar dos
problemas. E apesar das pessoas nunca deixarem de me perguntar porque eu sai do Rio, e sempre aparecer alguém para falar mal da minha cidade, eu comecei a não me preocupar com isso. Porque a vida é feita de escolhas, e eu fiz a minha.

Um dia eu viajei para o Rio e senti falta de SP pela primeira vez. Foi ai que percebi como eu havia mudado e como era feliz na paulicéia. Tudo bem, eu falo biscoito, acho tudo maneiro mas vou para balada. E ainda passei a
economizar nos beijinhos no rosto: como os paulistas, agora eu só dou um beijo. Ninguém é perfeito.

Justamente por ter me acostumado a SP, minhas viagens ao Rio passaram a ser menos freqüentes. E para os cariocas eu virei paulista, mudei o sotaque e abandonei as raízes. Pronto, a perseguição mudou de lado. Definitivamente,
não dá para agradar todo mundo.

O papo furado de que carioca só gosta de carioca e que todo paulista é frustrado porque o Rio é mais bonito que SP, pode ser verdade para alguns. Para mim não. Acho meio ridículo que exista este tipo de rivalidade. Ela é tão evidente que é quase palpável. É um desperdício de energia
impressionante. Qualquer rivalidade ou preconceito é desnecessária, mas tem certas coisas que parecem que nunca vão mudar.

Uma das mulheres mais sábias que já passaram por este plano, Madre Tereza de Calcutá, tem uma frase avassaladora: "Se você julga as pessoas, não tem tempo de amá-las". Então porque rotular que todo carioca é metido e todo paulista é frio ? As pessoas são diferentes. Convivo com paulistas maravilhosos que são cariocas honorários. Com gente que um dia falou para mim que até me conhecer, achava que carioca era tudo chato. E que hoje em dia repete sem parar o "ninguém merece" tipicamente 'carioquês'. Não existe a menor necessidade de julgar as pessoas pelo lugar de origem delas.

Sim, meu sotaque mudou, eu mudei e até a propaganda que eu faço mudou. As pessoas mudam e ainda bem que algumas para melhor. Mas continuo sendo uma garota carioca sangue bom - às vezes um pouco marrenta, é verdade. Continuo
ouvindo os cds do Tom Jobim (e principalmente "Samba do Avião") quando sinto saudades de casa. Porque o Rio sempre será, mais do que o lugar que eu nasci, a minha casa.

Quando eu resolvi morar em Sampa, deixei muitas coisas para trás. Deixei minha casa, minha família, meus amigos, meus mergulhos em Ipanema e o pôr-do-sol no Arpoador. Deixei toda minha história de vida em vários lugares
da Cidade Maravilhosa. Deixei também os pensamentos bairristas que costumam atravessar a Dutra ou fazer o trajeto Santos Dumont-Congonhas. E apesar de ser um processo doloroso, não me arrependo de nada.

O que embarcou comigo para Sampa foi justamente o meu jeito carioca de ser. Um jeito colorido, divertido e espontâneo de ver a vida. Foi o meu olhar particular do mundo, o olhar de quem nasceu vendo o mar pela janela. O olhar de quem, quando volta para casa, é recebida de braços abertos. Por todos aqueles que deixei para trás. Inclusive o Cristo Redentor.

Janaina Pereira - redatora


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